Há toda uma curiosidade pelo que é o mais importante, e essa é toda uma questão com várias respostas. Entre as respostas que mais aprecio está esta: “O mais importante do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando”. Essa frase está nas primeiras páginas do romance “Grande Sertão: Veredas”, a epopeia brasileira escrita por Guimarães Rosa em 1956. Essa visão do ser humano aprendida na sua vida de médico, escritor e diplomata, é uma visão poética marcada pela metamorfose, a capacidade de mudanças, a arte de viver.
Na história de cada pessoa, como na História da Humanidade, há muitas estórias da capacidade poética tanto a nível individual como social.
A “Odisseia” trata das metamorfoses de um homem, que é Odisseu em grego, Ulisses em latim, que, sendo rei de Ítaca, volta à sua ilha disfarçado de mendigo. A vida de cada pessoa pode ser contada como odisseias. Por quantas transformações a gente passa, quantas mudanças se viveu e se vive? Não por acaso o poeta alemão Hölderlin escreveu que o homem habita a Terra poeticamente. Um dos mais importantes historiadores mundiais, o francês judeu Marc Bloch, fuzilado no dia 16/6/1944 por ser judeu, escreveu na prisão “Apologia da História – ou o ofício do historiador”. Livro prefaciado por Jacques Le Goff, é até hoje essencial na cultura. Escreveu Bloch: “Evitemos retirar de nossa ciência sua parte de poesia”.
Portanto, o que é o mais importante do mundo é a metamorfose, é a capacidade de estar sempre mudando. Poesia é uma maravilha feita não só de palavras, pois há poesia numa foto, numa imagem, num ato social ou político. Aliás, a política tão desprezada por boa parte da mídia, repetida por pessoas que gostam de dizer: “Eu não gosto de política”, são as que podem ter perdido um dos atos mais poéticos da História do Brasil. No dia primeiro de janeiro de 2023 ocorreu uma poesia coletiva, uma poesia que já entrou para nossa história. Daqui a cem anos, no distante 2123, vai ser festejado o centenário desse dia por quase trezentos milhões de brasileiros, pois foi o dia em que o povo subiu a rampa e empossou nosso presidente. Os jornais do mundo inteiro estamparam a fotografia, a poesia de momentos inesquecíveis.
A famosa passagem da faixa presidencial em que um presidente passa a faixa para o novo presidente eleito foi feita pelas mãos de oito representantes da diversidade do povo brasileiro, quebrando um ritual de mais de um século. Foram o menino Francisco de dez anos, o cacique Raoni, Aline Sousa, catadora que colocou a faixa no presidente, Weslley, metalúrgico, Murilo, professor, Jucimara, cozinheira, Ivan Baron, embaixador da inclusão, Flavio, artesão. Foram poucos minutos entre a subida da rampa e a colocação da faixa presidencial, mas minutos de poesia pura que entraram para a História do País e do mundo. Fotografias do mundo inteiro estamparam a subida da rampa como uma multidão presente expressando o nosso povo.
O Brasil viveu no dia primeiro de janeiro de 2023 uma metamorfose simbólica – o povo subiu a rampa –, pois está mais do que na hora de diminuir a desigualdade social e lutar contra o racismo. O mais importante do mundo é que as pessoas não estão sempre iguais, e também um povo não é sempre igual, pois as histórias individual e social podem e devem mudar. A poesia é alegria, e o dia primeiro de janeiro é a expressão de que a utopia vive na construção da esperança.