Nós, os viciados em livros, morreremos endividados. Temos livros que sonhamos em ler e não lemos, e autores que planejamos estudar. O engraçado é que são boas essas dívidas, mas que alegria é pagar algumas. Há uns trinta e cinco anos fiquei feliz em ler a “Ilíada” e a “Odisséia”, os livros que abrem as portas da Cultura Ocidental junto a Bíblia. Já outra dívida comecei a pagar só agora com o escritor Ernst Hemingway, pois só havia lido o “O Velho e o mar” e “Por quem os sinos dobram”.
O ano passado busquei saber se Otto Maria Carpeaux havia escrito sobre o escritor americano. Logo comprei o “Hemingway: Tempo, Vida e Obra” dele numa edição de 1971, letras miúdas, páginas amareladas. Comecei a ler uma, duas vezes, e desisti, até que minha neta Sara da Itália me disse que precisava fazer um trabalho sobre o livro “O Velho e o Mar”. Então li todo o livro do Carpeaux, que sentiu sua morte como se fôsse a de um amigo da vida inteira. Foi aí que entendi o quanto sou amigo de vida inteira do Carpeaux e quem sabe venha a ser de Hemingway pela transferência.
Ser amigo da vida inteira de escritoras como Clarice Lispector, de Guimarães Rosa, Tchekov, Kafka, Drmmond entre tantos, faz muito bem. Sempre há o que se aprender com esses artistas de talento e sabedoria.
Talvez as novas gerações tenham se distanciado de Carpeaux, ele foi leitura obrigatória por décadas. Ensaísta e jornalista autor da “Historia da Literatura Ocidental” em oito volumes. Escreveu muito sobre politica a partir do golpe de 64, foi um opositor da ditadura, o mais culto dos brasileiros. Lendo seu livro sobre Hemingway percebi que estava com muitas saudades do velho sábio. Seu pequeno livro sobre o escritor que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1954 é uma delícia. Recorda como o escritor fugiu de casa aos 17 anos para ser repórter e um ano depois viajou à Itália para ser motorista da Cruz Vermelha onde foi ferido. Esteve também na Guerra Civil Espanhola do lado republicano contra o facismo, e foi reporter na Segunda Guerra Mundial. Suas aventuras de vida envolvem caçadas na África e pescarias no Caribe e estão em seus livros. Foi também um talentoso contista, ao lado dos melhores da literatura. Um exemplo são os contos “A alma dos rios I e II”, em que revela sua paixão pela natureza, as montanhas e rios. Agora quem era mesmo Hemingway?
Muitos biógrafos vem escrevendo sobre ele nos últimos anos, mas Carpeaux no finzinho do ensaio fez sua melhor definição: “Ernst Hemingway definiu como ninguém a solidão que é elemento essencial de todas as suas obras e vida: foi como jornalista, correspondente no extrangeiro, homem solitário entre gente estranha; descreveu a solidão do desertor, vendo-se de repente limitado ao seu esforço de homem que abandonou tudo e está abandonado; a solidão do amor em que duas criaturas se fundem e ficam, no entanto, impenetráveis um para o outro, separados para sempre até no momento da união total; a solidão do pescador nas montanhas ou em alto mar; a solidão do matador que, na presença da inumerável massa humana, enfrenta sozinho o touro e a morte; enfim a solidão em que cada um de nós terá de morrer, pois neste caminho para baixo ninguém nos acompanhará”. Conclui assim: “Hemingway foi um homem de vitalidade enorme, é especificamente o escritor, quase eu diria, o poeta da morte”.
Desde adolescente com 16 anos ao fugir de casa e não mais retornar conviveu com altos riscos de vida. Namorou com a morte inúmeras vezes, com sequelas de acidentes aéreos e sendo um alcoolista crônico, já com dificuldade de escrever, decidiu tirar sua vida com um tiro de escopeta.
Hemingway nos legou três livros de contos, novelas incríveis, uma vida de aventuras.
A expressão de Carpeaux de amigos da vida inteira me fez pensar não só em escritores amigos.
Creio que devemos ser amigos da vida inteira, aumentar nossa união para ajudar Lula e o governo a reconstruir o país da assustadora devastação sofrida. É chegada a hora, é mais que chegada a hora, de