O Brasil teve a mais longa escravidão do mundo ocidental que legou uma insensibilidade, um descompromisso com a sorte da maioria do povo. A estratégia dos mais favorecidos se infiltrou até nos desfavorecidos, na criação de um mundo privatizado só para os ricos: segurança, educação, saúde, natureza. O que se construiu de serviços públicos vem sendo desmontados nos últimos seis anos. Os mais favorecidos se sentem os donos do País, de suas riquezas, protegidos pelos armados e os bilionários.
A questão decisiva da nação e da humanidade é se o desenvolvimento cultural conseguirá, e em que medida, dominar a pulsão de agressão e do autoaniquilamento. O que Freud escreveu no final do seu “O mal-estar na cultura” vale hoje aqui, nesse país dominado pelo ódio da pulsão de agressão, pela crueldade. Destroem a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal desprezam os mortos pela covid. Cada uma e cada um optam pela destruição ou construção, pelo ódio ou o amor, pelo desprezo às artes ou sua valorização, pelas trevas ou a ciência, pela democracia ou o autoritarismo, pela justiça ou a injustiça.
Quanto mais desanimados os sensíveis à devastação estiverem, mais fortalecidos estarão os armados. O Brasil formou a maior Frente Ampla de sua História, todo humanista sabe silenciar agora é ser cúmplice. O recente corte de verbas da educação pública é uma prova da tempestade autoritária do governo. A hora da coragem é agora, hora de se integrar a Frente Ampla democrática que está sendo formada pela democracia e a justiça social.
Abaixo transcrevo um poema do escritor russo Boris Pasternak, que ensina a não separar os fracassos dos sucessos, mantendo a coragem e a dignidade de viver.
Contra a fama
Ser famoso não é bonito.
Não nos torna mais criativos.
São dispensáveis os arquivos.
Um manuscrito é só um escrito.
O fim da arte é doar somente.
Não são os louros nem as loas.
Constrange a nós, pobres pessoas,
Estar na boca de toda a gente.
Cumpre viver sem impostura.
Viver até os últimos passos.
Aprender a amar os espaços
E a ouvir o som da voz futura.
Convém deixar brancos à beira
Não do papel, mas do destino,
E nesses vãos deixar inscritos
Capítulos da vida inteira.
Apagar-se no anonimato,
Ocultando nossa passagem
Pela vida, como à paisagem
Oculta a nuvem com recato.
Alguns seguirão, passo a passo,
As pegadas do teu passar,
Porém não deves separar
Teu sucesso de teu fracasso.
Não deves renunciar
A um mínimo pedaço do teu ser,
Só estar vivo e permanecer
Vivo, e viver até o fim.