Para o Homo sapiens era essencial viver em grupo para sobreviver, daí a horda, o clã, a tribo. Durante milhares de anos o homem não podia ficar só, para não ser presa fácil de qualquer animal carnívoro. Até mesmo os deuses formavam uma sociedade organizada, daí o mundo divino ser politeísta. Já na civilização greco-romana, se alguém fosse excluído dos templos, da pólis, exilado, ele não era mais nada. Sócrates, diante da condenação ao exílio, prefere a morte. Já na Bíblia está a famosa frase “Não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2,18), mas há momentos em que a solidão é obrigatória, como a de Moisés na subida do Monte Sinai e a do profeta Jeremias que devia firmar sua vocação. Portanto, o direito à solidão, existir não só como membro de uma comunidade, é um luxo pois aparece tardiamente na História.
A solidão não deixa ninguém indiferente, tem a ver com todo ser humano, ela é múltipla, pode tanto ser benéfica ou não. Indispensável na criatividade do artista, do cientista, na capacidade de estar só e bem acompanhado de si, como também pode a solidão ser fonte de sofrimentos e desamparos. A solidão envolve como se pensa e se vive, há os que a idealizam, como Nietzsche em “Assim falava Zaratustra”: “Foge, meu amigo, refugia-te na solidão!”. Muito antes Sófocles na Grécia cria personagens solitários heroicos e trágicos como Édipo e Antígona. Nos últimos dois mil anos, pouco mais, há os que descrevem os encantos do retiro dourado, pois desprezam as conversas fúteis. Já Sêneca escreve como se podem conciliar os solitários com a sociedade, e será esse caminho que se abre a uma nova existência.
Para não ser só e sentir-se desamparado, a gente depende das relações amorosas, que nos expõe aos sofrimentos afetivos; mas quando perdemos esses vínculos nos sentimos desamparados. A gente vive entre o tesão e a tensão, entre e as graças e as desgraças de viver. Albert Camus faz tanto o elogio da solidão em sua peça de teatro “Calígula” como a defesa do que tira o homem da solidão, que seria a revolta. Em “O homem revoltado” escreve como, para se revoltar, é preciso substituir o “eu” pelo “nós”, e daí nasce a solidariedade. Há outros caminhos para escapar da solidão, como é o caso das religiões, e da psicologia das massas, que nasce com o século XX.
A Psicanálise é marcada, desde os primórdios, como uma busca de liberdade, da construção de um sentido novo, livre da submissão ao desejo dos outros. Portanto, uma análise leva a uma ampliação do campo da liberdade em que convivem tanto o desencanto como o canto. Nesse sentido, é difícil imaginar uma psicanálise ou algum psicanalista encantado com o autoritarismo. Se for assim, há um descompasso entre o amor, a liberdade e a servidão voluntária.
A experiência da solidão pode ser sofrida, a companhia da gente nem sempre é agradável, mas às vezes também é bom se desentender com os sintomas. Se algum dia eu falar sobre a solidão, contarei minhas experiências solitárias escutando tango sábado à noite. Não por acaso, a música que sempre cantei aos filhos e netos é assim: “Um passarinho me ensinou uma canção feliz/ e quando solitário estou, mais triste do que triste sou./ Recordo que ele me ensinou uma canção que diz:/ Eu passo a vida cantando/ Ai Lili, ai Lili, ai lou/ Por isso sempre contente estou/ o que passou, passou./ O mundo gira depressa, e nessas voltas eu vou/ Cantando a canção tão feliz que diz: Ai Lili, ai Lili, ai lou”.
Enfim é hora de recordar a segunda pergunta de Hilel “Se for apenas por mim, que será de mim?” ou seja: precisamos aprender que o verdadeiro luxo da solidão é a união pela vida, pela construção, aprender a ser por nós, aprender a solidariedade.