Hélio Schwartsman, membro do Conselho Editorial do jornal Folha de S. Paulo, voltou em sua coluna do último dia 10 ao tema da liberdade irrestrita de expressão, para relativizar a manifestação de Bruno Monteiro Aiub, aliás Monark, em defesa da legalização de um partido nazista. Limitou-se a ver no YouTuber « bêbado » uma « assustadora inabilidade argumentativa, além de ignorância em relação a nazismo e antissemitismo ».
Provavelmente em tom de ironia ou para tornar o texto mais leve, o colunista da Folha escreveu que enfim podia comentar um assunto em que, por ser judeu, tinha « lugar de fala ». Errou. O nazismo não entra nessa categoria, pois apesar dos 6 milhões de vítimas judaicas, não se trata de um assunto exclusivamente judaico. Negros, ciganos, homossexuais, comunistas, pessoas com deficiência e outras minorias foram perseguidas e assassinadas por não serem arianos puros. Por isso o nazismo deu criação à figura jurídica do « crime contra a humanidade ».
O primeiro julgamento por crimes contra a humanidade foi o Julgamento de Nuremberg, no qual foram sentenciados os líderes da Alemanha Nazista.
O parágrafo 6 da carta do Tribunal Militar Internacional assim definiu os crimes contra a humanidade:
« Assassinato, extermínio, escravidão, deportação e outros atos desumanos cometidos contra a população civil, antes ou durante a guerra, assim como perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos em execução ou relacionados com qualquer crime dentro da jurisdição do Tribunal, com ou sem violação da legislação nacional do país onde foi perpetrado.”
Portanto, por ser o nazismo crime contra a humanidade, a vítima é a humanidade como um todo. O nazismo diz respeito a todos, a começar por aqueles que sofreram e sofrem na própria carne a discriminação.
Schwartsman se diz judeu ainda que relapso, não acredita em Deus e não deve ter entrado numa sinagoga mais do que meia dúzia de vezes em toda a vida, mas gosta de literatura iídiche e de “guefilte fish » (carpa recheada que se come nas festas judias). Mais importante, perdeu grande parte da família no Holocausto.
Em outras palavras, ele é exatamente como eu, você e outros muitos milhões de nós. De tão banal, essa descrição nem merecia estar na coluna do jornalista.
Mas de qualquer forma o essencial não está aí. Está no fato do articulista ver nas palavras de Monark e na chancela do deputado Kim Kataguiri simples ignorância. Se assim fosse, poderíamos, por que não, ver apenas ignorância nos comentários nazifascistas do presidente da República, seus filhotes e asseclas. E desta maneira, desclassificar seus crimes.
Defender a legalização de um partido nazista, com direito à verba pública, captação de recursos e acesso aos meios de comunicação para convencer eleitores de que a democracia deve ser amputada e os direitos civis negados aos negros, pessoas com deficiência, judeus, muçulmanos, LGBTQIA+, nordestinos não constitui crime na visão dos que defendem a liberdade de expressão irrestrita. Mesmo se esse partido, como todos os demais, lute pelo poder, com a diferença de que os de extrema-direita têm por objetivo acabar com a democracia (o que aliás tenta fazer Jair Bolsonaro).
Devemos admitir a existência legal de um partido que ataca a democracia? Se a resposta for sim, onde fica o Estado de Direito, razão primeira da própria democracia?
Não podemos admitir a legalização de um partido que tenha em seu programa a discriminação e o extermínio.
Na França, François Mitterrand, para não levar uma lavada eleitoral histórica, adotou o sistema de voto proporcional. Isso fortaleceu o Front National, de extrema-direita, que entrou no Congresso e nunca mais saiu da cena política francesa, chegando por duas vezes ao segundo turno da eleição presidencial. Agora, Marine Le Pen tem chances de repetir o feito e tentar, no próximo 24 de abril, se eleger presidenta da República. Enquanto isso Eric Zemmour, com um programa discriminatório, islamofóbico, xenófobo e revisionista, entra na disputa eleitoral diante do espanto dos democratas. Tarde demais, a República abriu a caixa de Pandora e hoje não sabe como fechá-la.
Na Alemanha, o AfD, Alternativ für Deutschland, de orientação neonazista, está presente do Bundestag. Na Grã-Bretanha, o partido de Nigel Farage, Independência do Reino Unido, de extrema-direita, conseguiu impor a sua pauta anti-imigração, que desembocou no Brexit, do qual hoje os britânicos sofrem as consequências e se arrependem amargamente.
Na opinião de Schwartsman ou até de outros comentaristas esquerdistas, o Estado não tem o poder de decidir quais são os discursos aceitáveis e quais não são. Isso cabe à sociedade, através do voto. Esses ignoram, propositalmente ou não, que o voto é a percepção que o eleitor tem naquele momento e não a realidade. São contra a democracia representativa.
Fazem verdadeiras acrobacias para explicar que defender a legalização de um partido nazista não significa defender a ideologia nazista. Como se fosse possível uma agremiação nazista não ser nazista. Compara-se o “direito de defender a legalização do nazismo” com o “direito de defender a legalização das drogas”.
Na tentativa de explicar o inexplicável, chegam a lembrar o absurdo de Ionesco ao reconhecerem o direito de um indivíduo de legitimar e patrocinar o antissemitismo.
No que a proposta de legalização de um partido nazista seria diferente da defesa de criação de um partido da pedofilia, da violência doméstica, da homofobia, da misoginia ou até do genocídio?
Embora aqueles que defendem a liberdade irrestrita se digam anti-Bolsonaristas, eles estão de fato com Jair Bolsonaro, pois em nome de um mínimo de coerência teriam de reconhecer o direito do presidente da República declarar-se a favor da cloroquina no combate à Covid 19, mesmo sendo responsável indireto por dezenas de milhares de mortes (inclusive segundo estudos da Universidade de Cambridge), ou ainda no direito à defesa de um torturador, da ditadura, do fechamento do Congresso, do assassinato de 30 mil pessoas, da desobediência à Corte Suprema.
Um absurdo!
Num outro artigo publicado na mesma Folha de S. Paulo em novembro de 2002, sob o título “O nazista e o pedófilo”, Schwartsman afirmava que, pelo mesmo princípio da liberdade irrestrita de expor ideias, não ficaria constrangido em defender também um pedófilo que resolvesse manifestar publicamente sua tara, desde que não tentasse colocá-la em prática.
Os defensores da liberdade irrestrita de expressão negam assim o poder avassalador da propaganda, que no caso do Monark deve ser chamada de apologia. Talvez considerem Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, « inocente” porque nada mais fez que defender uma ideia chamada nazismo.
Ora, a palavra circula e influencia as pessoas.
Aqueles que defendem a liberdade de expressão irrestrita não reconhecem o peso da palavra, assim cantada por Zeca Baleiro:
O peso da palavra dita, escrita
O peso da palavra grita
Palavra até parada, agita
Qual o peso da palavra?
Qual o peso da palavra?
Amor pra quem se sente só
Carinho pra quem abandona
Respeito pra quem teve dó
Luz pra quem te trouxe à tona
Telhado pra quem tava na chuva
Dois palitos pra quem vive de lona
Auto-domínio pra quem não se curva
E chave pra quem tá na redoma
Qual o peso da palavra?
Liberdade pra quem vive o vício
Destruição pra quem construiu
Ódio pra quem viu o míssil
Vida pra quem resistiu
Qual o peso da palavra?
Vagabundo pro trabalhador
Burro pro analfabeto, esperto pra quem estudou
Sabedoria pra quem sabe viver e nada pra quem desperdiçou
Qual o peso da palavra?
Divisão pra quem tem muito, pouco pra quem tem nada
Salário pra quem vigia a riqueza inalcançado
Calma pra quem controla a plebe tão conformada
O direito de defender a legalização do nazismo deve ser tratado como o direito de defender a legalização do racismo. Não faz o menor sentido, não é possível tolerar esse tipo de disparate.
JUDIAS E JUDEUS SIONISTAS DE ESQUERDA
Tânia Maria BAIBICH, Milton BLAY, Milton, Adriana DIAS, Michel GHERMAN, Jean GOLDENBAUM, Mauro NADVORNY, e Pietro NARDELLA-DELLOVA.