O presente trabalho de Doutoramento acerca do Judaísmo e Direitos Humanos: um estudo das contribuições judaicas na tessitura dos Direitos Humanos tem por objetivo demonstrar o desenvolvimento do Judaísmo como expressão multicultural e universal.
Para isso, faremos o percurso do Judaísmo desde suas origens mesopotâmicas, influenciado pelos vários direitos e culturas, entre as quais especialmente a babilônica antiga, passando pelo que consideraremos aqui o Abraamismo, o Mosaísmo e o Profetismo, respectivamente, o Culto ao Deus dos Pais, a libertação pela Torá e o Culto a um Deus sem nome, e a resistência dos Profetas de Israel ao domínio político e sacerdotal, até uma quase ruptura promovida pelos sábios antigos, entre os quais, Mestres como Hillel, Jesus e outros.
Como expressão multicultural, pretende-se desvelar do Judaísmo sua tradição de religião revelada, reconhecendo-lhe a expressão viva e humana de uma cultura (insisto, caráter multicultural) que veio ao longo do tempo recebendo influências e legados os mais diversos, como, por exemplo, babilônico, arameu, canaanita, egípcio, midianita, africano, grego e romano, influências essas que são de natureza econômica, jurídica, religiosa, militar, filosófica e, por isso mesmo, apresenta-se com uma expressão da humanidade.
E, por ser uma expressão da humanidade, caracteriza-se pelo seu universalismo, em sintonia com a evolução das muitas civilizações, com as quais tem uma estreita sintonia, ora influenciada ora influenciando.
Parto de uma ideia judaica do princípio da responsabilidade social e do princípio criativo do amor, seja pelo próximo ou pelo distante, pelo amigo ou pelo inimigo, nascidos na Antiguidade judaica, mas amadurecidos no Gueto.
Pretende-se demonstrar que o Judaísmo não pode isolar-se ou tornar-se indiferente diante dos desafios do mundo, sobretudo de combate às violências contra a pessoa humana, principalmente aquelas que reduzem a pessoa humana à coisa, à escravização, exploração, intimidação, opressão, exclusão e extermínio, em especial, as violências de domínio religioso, político, e do fascismo e do nazifascismo.
Para tanto, o trabalho demonstrará a incidência das afinidades eletivas entre Judaísmo e Libertação, isto é, Direitos Humanos, ressaltando a tessitura judaica que há na ideia de Direito que corresponda aos anseios de liberdade, igualdade, solidariedade universais e plenitude da vida humana, bem como de suas relações com toda a natureza, na qual a humanidade se encontra.
Pelo conceito de afinidade eletiva o trabalho demonstrará que Judaísmo é uma expressão de evolução da humanidade, mas não a única, sendo que os Direitos Humanos correspondem a algo maior, superior, universal, que recebeu contribuições judaicas, mas não se confunde com Judaísmo.
Mantêm-se, ao final, as duas expressões das experiências humanas em dinamismo vivo, de tal modo que a tessitura de um é também a de outro, a saber, aqueles valores de direito, verdade, justiça e valorização da dignidade da pessoa humana. E, embora a tessitura de um seja a do outro, ambos não entram em fusão, não se misturam para criar uma coisa nova, ou experiência nova.
Judaísmo e Direitos Humanos convivem, em estreita relação de contribuição e defesa, de valores e princípios. A face de um “deus” é deixada para trás na experiência histórica judaica e, assim, supera-se certa monolatria tribal, para alcançar um monoteísmo ético, em função de um “deus” que não tem sequer nome, mas que participa da história, não apenas judaica, mas da humanidade.
O trabalho demonstrará esse especial aspecto de uma divindade para além da tribo ou, apesar da tribo, uma divindade universal, para toda a humanidade, sem uma língua específica, ou bandeira e cultos específicos.
Mas, como sói acontecer com as divindades meramente tribais, os atores do Judaísmo também pretenderão reduzir essa divindade (sem nome) a cultos sacrificiais ou à área de Templos, como um “deus” particular do Judaísmo.
Por um lado, pretende-se demonstrar como o homem foi liberto das idolatrias dos deuses homens pelo movimento abraâmicos e mosaico, mas, também, como Deus foi libertado dos cultos sacrificiais e do Templo, sobretudo pela clareza e força ética dos Profetas de Israel e, depois deles, como seus herdeiros, dos Mestres do Judaísmo libertário, entre os quais Hillel e Jesus.
Nesse ponto, o trabalho se concentrará em apresentar a mensagem de Hillel e de Jesus como de Rabinos do Judaísmo farisaico, cuja imagem de hipocrisia será contestada firmemente.
Após especificar a trajetória que o tema seguiu para fins deste trabalho e detalhar a evolução do Judaísmo, bem como a libertação do homem e de Deus, apontaremos as influências do Judaísmo para a composição dos sistemas jurídicos, com abordagem cultural, sociológica, jurídica e filosófica, coincidente em vários povos.
O Judaísmo é também, e veremos aqui, Direito. Um Direito que, para além de regras de dominação de uma classe sobre outra, pretende-se como antessala da realização de Justiça. Daí que os conceitos judaicos de Direito (Mishpat) e de Justiça (Tzedek) serão apresentados como inseparáveis. O Direito é o caminho para a concretização da Justiça.
Nesse sentido, finalmente, objetiva-se aqui, apresentar uma contribuição acadêmica para a compreensão do Direito (do e no Judaísmo) assim reconhecido por grandes sociólogos e filósofos.
Também, pretende-se aqui oferecer uma compreensão do Judaísmo como movimento libertário ou libertador sem fim, que se reinventa a cada época, resiste a cada opressão, rompe com imperativos políticos, e continua a alimentar a esperança de milhões de Judeus e de Judias que, graças ao seu Judaísmo multicultural, universal e humanista, continuam sendo, por inteiro, Judeus e Judias pelo mundo.
O Judaísmo e os Direitos Humanos são um para o outro assim como são as vozes de cantores e som dos instrumentos musicais para a partitura, juntos para a finalidade de humanização, mas separados quando às suas identidades específicas.
O Deus sem nome, aqui, pode ser tanto o Compositor quanto o Maestro ou, simplesmente o Público que ouve, assiste, encanta-se, emociona-se com a grandeza da humanidade e, como se espera dele, aplaude em pé!
NOTA:
O texto acima é a Apresentação da Tese JUDAÍSMO E DIREITOS HUMANOS: UM ESTUDO DAS CONTRIBUIÇÕES JUDAICAS NA TESSITURA DOS DIREITOS HUMANOS, defendida na PUC/SP, com apoio da CAPES, e que pode ser lida integralmente ou aproveitada em download também integral no seguinte endereço da Academia . edu:
https://www.academia.edu/71348690/JUDA%C3%8DSMO_E_DIREITOS_HUMANOS_UM_ESTUDO_DAS_CONTRIBUI%C3%87%C3%95ES_JUDAICAS_NA_TESSITURA_DOS_DIREITOS_HUMANOS
© Pietro Nardella-Dellova