Assim que o senhor Barra Torres, atual Diretor Presidente da ANVISA, publicou a sua “carta” ao mundo (e fundo sem ele nem tu) e, em meio a uma enxurrada de elogios desqualificados, glorificações osmóticas e mijos fora do penico da plateia ensandecida em busca de qualquer coisa (qualquer coisa mesmo!) que desfira golpes contra o Bolsonaro, fiz o seguinte e curto comentário (sobre a carta) na minha página:

Registro.

A Carta do Barra Torres, assim como a fala anterior do Santos Cruz,

não move um músculo do meu rosto. São coautores do bolsonarismo.

São cúmplices na morte de 620 mil pessoas.

Eu não me esquecerei deles, ou de Bolsonaro,

ou de Moro – todos iguais! Não serão perdoados!

(Twitter, 9/1/2022)

Em uma rápida varredura, a única pessoa que encontrei (salvo melhor juízo) que fez um comentário crítico e esclarecido sobre a “carta”, foi o Octavio Guedes, da GloboNews. O restante seguiu ladeira abaixo, foi com a enxurrada, com aquele inescondível ódio do Bolsonaro. Muitos chamaram a “carta” de “histórica”; outros, de “tapa na cara do Presidente” e outras baboseiras respectivas.

Odiar o Bolsonaro, e a quem o apoia ainda, é quase um dever moral, ético, constitucional, religioso, jurídico, sanitário, econômico, ambiental, social, nacional, internacional, latino-americano, liberal, socialista, comunista, capitalista e até, vejam, neoliberal. Odiá-lo é uma espécie de “lavar a alma”. Eu também o odeio, e não é pouco, porque o ódio anda de mãos dadas com o amor. Alguns devem mesmo ser odiados; outros, amados. Entretanto, deve haver um certo critério para odiar, e esse critério chama-se inteligência, criticidade, oportunidade, limites. Pois sem isto, é fácil cair na vala comum dos cegos e loucos que simplesmente atiram a pedra sem saber o porquê, lincham porque outros estão linchando, berram pragas e maldições porque outros estão berrando pragas e maldições. Para odiar é preciso ter motivo claro, razão. Odiar é um ato de racionalidade!

Ao fazer o curto comentário, quis apenas deixar claro que não fazia parte da turba tresloucada que aplaudia, com ejaculações precoces, a “carta” daquele senhor Diretor Presidente da ANVISA. Eu precisaria descer demais, e abrir mão de muita coisa da minha dignidade intelectual, jurídica e política, para ser mais um a sacralizar a carta, aliás, bem rasa.

Quanto à forma da “carta”, vejam, o senhor Barra Torres sequer a data. Ele não data a carta, pois pretende que seja atemporal, histórica (como alguns), especial, libertadora. Sem data, porque Barra Torres está afundado, até seus poucos cabelos, na política bolsonarista.

Ainda quanto à forma, o português é pleonástico, pobre e ilógico. Por exemplo, diz ele: “em relação ao recente questionamento … no qual pergunta” (sic). O questionamento já é uma pergunta, sendo absolutamente redundante dizer, no “questionamento no qual pergunta”. Deveria ter dito: “no pronunciamento no qual pergunta”. O primeiro parágrafo da sua Nota (notinha, na verdade), não aparece um tu nem um eu, e tudo fica no impessoal. Escreve: “Em relação … do Presidente da República … o Diretor Presidente da ANVISA … responde (…). É um ele (Bolsonaro), objeto, e não um tu; é um ele (Barra Torres), objeto, e não um eu! Na sequência, segue, na primeira pessoa (o que é péssimo) e, como tudo que vai na primeira pessoa em texto dessa natureza, abrem-se os esgotos da subjetividade. Enfim, não farei outra análise formal aqui, mas, fosse ele um aluno, teria um 0,5 (meio) ponto na redação. Nada mais.

Deixemos claro, ele chama o texto de “Nota” (as pessoas chamam de “Carta ao Presidente da República”. Mas, o texto é menos que Nota, não tem destinatário (o que aparece nos outros parágrafos é subjetividade, emoção, raivinha de quartel). Deveria, sim, haver uma NOTA ao público em geral explicando, esclarecendo, delimitando e demonstrando o que faz, ou não, a ANVISA. 

Ocorre que, com um governo, previamente conhecido como miliciano, que reuniu na Administração Pública gente fraca e sem cérebro, incluindo (e sobretudo) militares, e que age, como se esperava, como miliciano, tendo um Queiroga (um Queiroga!) como Ministro da Saúde, como substituto do Pazuello (do Pazuello!), mesmo gente muito fraca, intelectual e gramaticalmente (e nem falo aqui de fraqueza constitucional), como o senhor Barra Torres, acaba sendo “escolhido” e maquiado como “grande”, assim como sua “notinha” ganha narrativa (apenas narrativa) de “Carta ao Presidente”; “Carta Histórica ao Presidente” etc.

Quanto ao conteúdo, de nove itens lançados no texto (difícil chamar de parágrafos, pois não têm nem conteúdo nem estrutura), cinco servem apenas para Barra Torres falar de si mesmo, com aquele velho e gosmento discurso moralista, “cristiânico”, familiar etc. Nos cinco parágrafos (itens), Barra Torres apresenta o seu “currículo”, os motivos pelos quais ele se considera digno, honrado, enfim, o modelo a ser seguido. Mas, era uma “nota”, não? Uma “nota” sobre uma suposição do Bolsonaro, não? Pois bem, tão rasa a dúvida lançada pelo Bolsonaro quanto, e sobretudo, a “nota” do Barra Torres. São duas falas que se merecem como “falas” sem qualquer conteúdo. Vejam, do que exatamente está falando o Barra Torres? Dele mesmo. Por quê?

Porque pretende, como fez Santos Cruz, afastar-se do Bolsonaro, mas não do bolsonarismo, pois tanto o Santos Cruz, quanto o Barra Torres, continuam sendo bolsonaristas. Santo Cruz segue, agora, o Moro (ou o sergiomorismo). Barra Torres, com essa “nota”, também. Aliás, “nota” muito louvado pelo próprio Moro. Qualquer inteligência mediana, até mesmo de uma minhoca, sabe que Moro não reúne condições “gramaticais” ou “políticas” para apreciar uma “nota”, seja na forma ou no conteúdo. Mas, como a “nota” é mais um desvario do que aí está, vai-se construindo a sergiomorização que nada mais que a bolsonarização (que fugiu ao controle dos militares).

É importante lembrar que o Bolsonaro (o odioso Bolsonaro!) não se dirigiu ao Diretor Presidente da ANVISA, mas à ANVISA. Caberia ao seu Diretor simplesmente esclarecer, defender a Agência e recolher-se em sua gosma cotidiana. Mas, ele trouxe para si, de modo artificial, a fim de poder, ao final, assinar a “nota” e, outra vez, falar de seus “títulos” militares. Que “nota” absurdamente rasa! Enfim, a ANVISA não foi defendida pelo Barra Torres. Mas, todos e todas podem, agora, acender uma vela para o moralismo “barra-torrista”, para a memória dos seus pais. Entretanto, nenhuma velinha para os técnicos da ANVISA que não foram citados ou considerados na “nota”!

Na “nota” nenhuma palavra realmente técnica ou inteligente sobre a vacinação das crianças, nenhuma palavra sobre a obrigatoriedade de vacinação das crianças (conforme o ECA), nenhuma palavra sobre a ciência, nenhuma palavra, nenhuma palavra sobre os mais de 620 mortos na pandemia, nenhuma palavra sobre qualquer coisa que realmente importa. Barra Torres é, e sua “nota” deixa isso claro, uma pessoa pequena, ou apequenada, marcada perpetuamente por fazer parte de um governo chamado de “genocida”. Sua “nota” não é histórica, nem tapa na cara, e sequer uma “Carta ao Presidente da República”, mas Barra Tores já ganhou alguma notoriedade na mídias e, vejam que coisa, até uma entrevista com a Andréia Sadi, a antessala do aecismo e, agora, do sergiomorismo!

Barra Torres, ao contrário do que pretende dizer, é mais um militar que vem se servindo do Brasil, comendo o Brasil, sugando o Brasil (segundo sua nota, ele serviu o seu país por 32 anos, mas não diz em que serviu, como serviu, porque não serviu, mas foi servido). Ele, e outros militares (e suas barrigas proeminentes, assim como suas línguas gosmentas o dizem), vêm se servindo do país, sem oferecer nada em troca. Barra Torres é um detalhe que veio junto com Villas-Boas, Braga Netto, Augusto Heleno, Pazuello (nem vou citar os coronéis) e outros seis mil que foram enfiados na Administração Pública sem qualquer capacidade para tal. O seu “mito”, Bolsonaro, demonstrou desde sempre ser um “modus” miliciano. A destruição do país é projeto, e é projeto dos militares que esbulham o serviço público, pois escolheram um dos seus piores quadros, Bolsonaro, para fazer o serviço sujo. Bolsonaro é mensageiro.

A “nota” serve apenas a qualquer minhoca desencantada, mas não a cérebros pensantes. Serve, também, para o novo projeto destrutivo dos militares, Sergio Moro, pois sabemos, o bolsonarismo anda de mãos dadas com o sergiomorismo, com total apoio dos militares moro-bolsonaristas. É tudo muito idiota, é tudo muito idiotizante. Repito: odiar o Bolsonaro é quase um dever multifacetado, mas esse ódio-dever não deveria tornar as pessoas impermeabilizadas, emburrecidas e sem qualquer capacidade de leitura e interpretação de um texto (ou um cuspe, como é a “nota”). O ódio precisa manter-se na grandeza, na dignidade e na altivez, pois o fulano que cospe no meu inimigo não é, de modo algum, meu amigo.

Enfim, a “aplaudida nota” é não mais que ração programática para asnos e tais.

 © Pietro Nardella-Dellova