Senhoras e senhores ouvintes, transmitimos diretamente da pedra do Arpoador, onde surgiu uma capivara, assustando os frequentadores do local. Num esforço de reportagem, conseguimos nos aproximar do roedor, que nos deu uma declaração exclusiva. Com o patrocínio das afamadas cápsulas de óleo de capivara, o melhor remédio contra asma, bronquite e desnutrição, passamos a palavra ao irrequieto animal.
“Não entendo tanto alvoroço. Estava visitando uns primos que andam pelas bandas da Lagoa Rodrigo de Freitas. Conversa vai, conversa vem, saboreando um capim gourmet, me falaram das maravilhas do Arpoador, que não ficava longe. Mergulhei no canal do Jardim de Alah, driblei o lixo que vocês, espécie inconsequente, jogam ali, e em pouco tempo desembarquei numa pedra lisa. Era o Arpoador.
Logo que me viram, várias pessoas correram apavoradas. Como se tivessem visto, quem seria mesmo?, o presidente da República. Fiquei intrigada. O mar estava calmo, não havia sinal de arrastão, nem de vendedor de mate escalpelando a freguesia. Medo de quê? Mal tinha me acomodado e apareceram uns homens fardados, com redes nas mãos, caras de poucos amigos. Pelo sim, pelo não, seguro morreu de velho, mergulhei de novo.
Quando emergi, estava numa praia. Não muito longe, vinham novamente os indivíduos com as redes indóceis. Sob aplausos dos gozadores de sempre, tratei de colocar sebo nas canelas e desapareci dentro d’água. Não pude evitar um pensamento triste. Por que tanto receio, aflição tamanha?
Não falo pelos meus parentes preás, pacas e porquinhos-da-índia, mas nós, capivaras, sempre gozamos de bom conceito com a raça de vocês. Será que ninguém mais se lembra do elixir Capivarol, extrato de óleo do meu pessoal, que um farmacêutico mineiro garantia ser “eficaz para combater tuberculose e moléstias ocasionadas por depauperismo orgânico”? O que dizer da cidade de Capivari, interiorzão de São Paulo? O nome, que em tupi-guarani quer dizer rio das capivaras, mostra o nível de respeito, afeto e civilidade com que convivíamos. Ninguém daria a uma cidade o nome de Piolhópolis, a gente só homenageia o que gosta. Uma jornalista carioca, adepta de livros e gatos, gastou muita tinta e papel para demonstrar simpatia por aqueles primos da Lagoa. Nós somos da paz. Afastados da Natureza, vocês entram em pânico quando fazem contato com tudo que não seja barulhento, poluidor, programável, cinzento.
Um tio intelectualizado, que anda meio sumido, me falou de um livro. O personagem principal é Gregor Samsa. Na história, ele amanhecia cascudo, com antenas, cabeça meio triangular. Uma barata! Gente virando bicho. Não é que este fenômeno anda se multiplicando? Quantos de vocês, com habilidade para falar, argumentar, pensar, preferem zurrar, gritar, escoicear, seguir o cardápio do ódio, flertar com o desprezível? Para vocês verem que não é de mim que precisam ter medo. A estupidez, a paixão pela ignorância, estão aí, no meio e junto da sua tribo.
Quanto a mim, não quero virar influencer, youtuber, avatar de metaverso. Não vou usar xampu, nem educador sanitário, desses que se vendem em lojas de luxo. Não sei cozinhar, não invisto na Bolsa, nem tenho vocação para BBB. Quero apenas andar e nadar por aí. Sem medo. Como no tempo em que neste planeta alucinado não havia homens.
Fui.”
Voltamos aos nossos estúdios.
Um abraço. E coragem.