Uma das piores coisas é, não apenas falar mal de um homem, mas falar mal dele depois de morto. Pior ainda é usar seu nome e memória para a prática da política mais rasteira como tem feito o ajuntamento de chacais (mal chamado de “oposição”).
Oposição, lembremos, em uma civilização e em uma sociedade democrática, é muito importante, importantíssima. É alguma coisa de maior, bem maior. Não é isso que aí está. Isso que aí está é apenas ajuntamento de chacais. Por outro lado, surpreende (e a mim, que estou na Docência do Direito, faz mais de vinte anos, terrifica), saber que juízes e procuradores tenham se permitido centrifugar para a partidarização, deixando de lado uma importante operação, a Lava-Jato, e, nos últimos dois meses, fabricado cenas e situações para intervir na política e prestar, já está claro, um desserviço ao Direito enquanto prestam um serviço aos partidos de direita, “oposição”.
É uma desgraça para o Direito o comportamento de tais juízes e procuradores! As últimas ações antijurídicas (e midiáticas), agora, foram a de retomar o caso Celso Daniel (ex-prefeito de Santo André, assassinado em 2002) e, de forma insana, ligá-lo aos partidos que estão no poder, especialmente ao PT (atribuindo ao PT a morte de Celso Daniel).
Resumo o assunto – e vou ao ponto “Celso Daniel”. Faço-o, infelizmente, depois de ler inúmeras absurdidades publicadas nessas redes (anti)ssociais. Posts que apenas fazem por piorar a situação da já moribunda e pouco inteligente “opinião pública”. Faço-o, também, pelo apreço que tinha por Celso Daniel e por considerar ter sido ele umas das figuras mais esclarecidas e boas no cenário político.
Nunca fui do PT nem de Partido algum. Aliás, em 1989, fazendo oposição pública e construtiva ao PT (e suas pretensões presidenciais) na Faculdade de Direito, apoiei (e incentivei o apoio) à candidatura presidencial de Mario Covas, movido, não tanto pela figura do próprio Mário Covas, mas pelo respeito que tinha (e tenho) por Franco Montoro, um político do antigo MDB e, após Orestes Quércia dominar e estragar o PMDB paulista, foi fundador do antigo PSDB (hoje, óbvio, o PSDB é qualquer coisa menos aquele PSDB de Montoro!).
À época, eu tinha, também, um grave conflito com a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), sobretudo, em relação à estratégia de “greves”. A APEOESP apoiava o PT e estava em sua base sindical. Meu conflito com o Sindicato chegou a tal ponto que, por algumas semanas seguidas, vários Artigos (meus, dos diretores do Sindicato e de outros) foram publicados pela Folha de São Paulo, em público debate – quase ofensivo!
Eu era Professor (de Literatura) e membro da União Brasileira dos Escritores (UBE). Muito bem, mesmo sabendo de tudo isso, Celso Daniel me chamou em 1990 e, depois de conversarmos, contratou-me no começo de seu primeiro Mandato à Prefeitura. Eu atuava, então, além da Docência, na iniciativa privada, em uma área de ponta, muito refinada, Logística (e tinha também, à época, formação jurídica). Tudo isso interessava à modernização da Prefeitura.
Celso Daniel, ao me contratar, disse três coisas: “caro Pietro Dellova, sabemos que você não é do PT, sabemos da tua integridade e queremos que faça o que puder para, não apenas “limpar” o Departamento de Licitações e Materiais, mas para dar a ele a transparência necessária”.
Afastei funcionários que estavam ligados a vários esquemas de corrupção do prefeito anterior (PTB de Newton Brandão), encabecei um projeto de O&M (Organização e Métodos), mudei o layout do setor DECOM (Depto Comercial), bem como do Setor de Contratos e Licitações (tirando as paredes e deixando as mesas expostas e visíveis), criei o conceito de “almoxarifados” (e organizei mais de sete à época), tanto na área interna da Prefeitura como nos Centros Médicos e, principalmente, nos depósitos de materiais de construção. Determinei a revisão de vários contratos (firmados anteriormente), a abertura de sindicâncias e começamos a por a casa em ordem.
Participei de poucas reuniões com membros do PT (sempre fui visto como estranho no ninho e não tinha interesse algum partidário), mas, das reuniões que participei ouvia sempre elogios de todos, sobretudo do próprio Celso Daniel. A orientação era a de prosseguir no trabalho e tornar a Administração transparente e capaz de atender aos munícipes.
Essas ações (e outras, depois) sufocaram naquele momento o esquema de corrupção criado anteriormente pelo PTB, e colocaram todos sob ameaças constantes, inclusive eu mesmo. Eu recebi várias ameaças!
A situação que levou Celso Daniel à morte em 2002 (a real, e não a midiática, e, hoje, uma vez mais, sensacionalista, lavajatista e curitibana), foi ter ele continuado sua luta contra uma outra máfia, antiga e abrangente, a saber, a dos “transportes públicos”. A mesma máfia que impede a efetivação de transportes ferroviários (por exemplo), a mesma que está ainda relacionada aos metrôs paulistas, e a um sem-número de cidades, incluindo as do ABC Paulista, São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, entre outras.
No mais, é mentira que Celso Daniel “descobriu” os “esquemas” em seu “terceiro” mandato, que tenha feito dossiês contra o PT e que, após descobrir “apenas” em seu terceiro mandato tais esquemas, querendo sair deles (ou opor-se a eles), foi morto a mando do PT. Mentira, estupidez e perversidade!
Celso Daniel assumiu, como Prefeito, em 1989, e desde sempre conhecia os esquemas de corrupção instalados anteriormente, aliás, combateu-os sem trégua. Eu mesmo (não sendo do PT, em conflito com a Apeoesp e sendo da iniciativa privada) fui um dos contratados para isso: combater a corrupção e tornar a Administração Municipal moderna e transparente.
É esta “máfia dos transportes” (que Celso Daniel combatia) que o assassinou (para mim, não restam dúvidas!), e não o PT, que, mesmo merecendo críticas contundentes por conta de seus maus atos e maus comportamentos, todavia, neste caso, nada deve. Foi essa mesma máfia que matou outro prefeito do PT, ou seja, Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT (de Campinas). A morte de Toninho que lutava contra a máfia dos transportes municipais no interior paulista se deu exatamente na noite anterior (10.11.2001) aos ataques às Torres Gêmeas.
Em 2005, na CPI dos Bingos, os opositores do PT tentaram ligar membros do Partido à morte de Celso Daniel. No Mensalão, a mesma coisa. Agora, na Lava-Jato, outra vez. Que indignidade! . É um filme repetido (e repetitivo) e sem fundamentos. Aliás, diga-se logo, as únicas falas, nas quais se baseiam os acusadores para tentar ligar o PT ao assassinato do ex-prefeito, são as suposições dos seus dois irmãos, os senhores João Francisco Daniel e Bruno Daniel, dois reconhecidos inimigos de Celso Daniel e, um deles, correligionário do partido contrário, o PTB. É isso!
Quem sabe, a memória de Celso Daniel, este bom cidadão, lúcido economista, e exemplar prefeito, seja respeitada finalmente (quando os lavajatistas midiáticos virarem farinha!).
Tentar ligar, outra vez, o PT à morte de Celso Daniel, criando cenário cinematográfico e sensacionalista é, não apenas irresponsável, mas monstruoso do ponto de vista jurídico, político e social. Enquanto isso, dada esta provocada confusão, a máfia continua, livre e solta! O Brasil, infelizmente, tem se mostrado um país de mentalidade noveleira, rasa e sem preparo para o enfrentamento, honesto e eficaz, dos desvios na Administração Pública. É muita novela!
No mais, tive a honra de trabalhar com o Celso Daniel e, agora, com este texto, poder prestar a ele as homenagens que merece, assim como manter um muro de resistência contra essa direita porca e neofascista que se instalou no país.
NOTA:
Texto de 2016 contra os desvios lavajatistas que buscavam, a todo custo, inclusive com desrespeito à CF/88, afastar o PT do cenário político.
Pietro Nardella-Dellova