Parece que foi ontem. Você pode até não acreditar, mas o Réveillon em Copacabana era praticamente uma pequena celebração de umbandistas, louvando Iemanjá e lhe fazendo oferendas. Cerimônia que provocava na classe média local um meio sorriso de ironia, para ela aquilo não passava de flagrante exotismo. Hoje, os rituais de matriz africana nas areias da praia são, no máximo, ítem menor de pacotes turísticos. A passagem de ano na orla de Copacabana se transformou num espreme-espreme de, dizem, 2 milhões de pessoas, que se aglomeram para ver sempre os mesmos fogos, êba!, e acham que comer romãs, lentilhas e uvas vai mudar suas vidas. Já estive lá, não volto nem sob tortura, e posso assegurar que não é o melhor esporte ficar em pé na areia fina, com bêbados tropeçando em você, vomitando a baba elástica dos ébrios. O aroma de urina vai se espalhando, o vapor de álcool no ar é tão concentrado que, se alguém tiver a má ideia de acender um fósforo, periga toda aquela geringonça ir pelos ares. Ah, já ia me esquecendo. Os punguistas, profissionais up to date nas técnicas de aliviar carteiras, comparecem em bando, não exatamente para comemorar o ano novo. Um deslumbre.
Se mudou o Réveillon, ficou exatamente igual a burla dos que, nesta época do ano, se dizem leitores/intérpretes do futuro. Alguns, mais prudentes, mudaram um pouquinho o discurso. Falam em “antecipar possibilidades”. Adaptação oportuna ao mercado. Adianto que não posso reclamar. Divirto-me um bocado com quiromantes, numerólogos, tarólogos, jogadores de búzios, leitores de borras de café e tripas de galinha, astrólogos, videntes, bruxos. Antigamente, tudo se reduzia a uns poucos e folclóricos personagens. Omar Cardoso e Zora Yonara ensinavam simpatias, falavam de números e cores, transmitiam mensagens de autoajuda. Hoje, virou grande negócio, com profissionais disputados por celebridades, socialites, aflitos de todos os coturnos.
Os profetas de araque e todos os que recorrem a eles me fazem duvidar da evolução da espécie. Posso compreender, por exemplo, que o homem primitivo, em suas cavernas escuras e úmidas, não compreendesse a origem dos raios e trovoadas que o aterrorizavam e atribuísse a existência deles a poderes mágicos. No entanto, repetir essa lógica hoje em dia é fazer um pacto com a ignorância. A astrologia não está muito longe deste primitivismo. Concebida no tempo dos sumérios, sua visão de universo é absolutamente ultrapassada. A NASA acaba de lançar ao espaço o telescópio James Webb. O artefato, que vai viajar 1,5 milhão de quilômetros, permitirá levantar dados que mostrarão um novo mapa do Cosmos, olhando para trás no tempo mais de 13,5 bilhões de anos e vendo as primeiras estrelas e galáxias formadas 100 milhões de anos após o Big Bang. Uma revolução, que reduzirá a pó as concepções bolorentas geradas pelos sumérios. Desaparecerão os astrólogos? Não creio. Muita gente necessita acreditar no inacreditável.
Faz parte da diversão ler as “previsões” e conselhos do big business místico. Um deles, aliás, está fazendo promoção no preço da consulta. Na minha mão é mais barato! Verdade que andam um tanto desacreditados desde que erraram feio ao não alertar para a encrenca planetária que estamos enfrentando. Uma das mais badaladas sócias do clube prenunciou, por exemplo, que os nativos de Touro teriam, em 2020, “um bom ano, talvez um dos melhores”. Para os de Virgem, aconselhou: “Saiam de casa, saçariquem à vontade, vejam os amigos, porque a senha é divirtam-se!”. Sabemos muito bem o que aconteceu em 2020. Um ano bem sociável e divertido, não é mesmo?
E para 2022? Na linguagem propositalmente dúbia que usam, onde cabe tudo, fica difícil tirar coelhos fofinhos da cartola. A campeã é uma senhora que alertou que, por Netuno estar em Peixes até 2026, “só acabaremos com as novas cepas do coronavírus se pensarmos no outro, usando máscara e tomando as vacinas necessárias”. Não!!! É mesmo??? Atila Iamarino, Margareth Dalcolmo, Natalia Pasternak e Ésper Kallas deviam exigir reparação por violação de copyright.
O que acho mais constrangedor é o espaço que se dá a essa gente nos meios de comunicação. Faz tanto sentido quanto divulgar a agenda do Chupa-cabras, marcar consulta com o Curupira, convocar o Saci para a seleção sub-20 ou reservar uma passagem no navio que vai até os confins da Terra plana. O futuro não pré-existe. Não há atalhos ou truques baratos para se chegar a ele. Embora nossas escolhas não dependam apenas de nós, estaremos sozinhos ao tomar decisões que definirão o que virá no plano pessoal.
Vamos construir 2022. Passo a passo. Sem ilusões místicas. Com espaço para surpresas, que jamais serão antecipadas pelos parasitas das nossas inseguranças.
Um abraço. E coragem.