Minha neta achou uma velha moeda de 10 cruzeiros na praia. Sem muita noção de dinheiro, pensou que tinha descoberto um tesouro. Coisa valiosa, apressou-se em dizer o irmão. Com a pratinha na mão, quis compartilhar com um amigo da escola a excitação de ter uma suposta raridade. Na hora de pegar o ônibus escolar, cadê o tesouro? Procura daqui, fuça dali, e nada. Frustrada, ligou para nós. Vocês não teriam, por acaso, uma moeda de 10 cruzeiros? Explicamos que aquilo já tinha perdido valor há muito tempo, era pouco provável que tivéssemos conservado alguma. Suspiro do outro lado da linha. Puxa, se eu contar para o meu amigo que descobri a moeda mas não mostrar, ele não vai acreditar. Sem querer e de forma ingênua, ela fotografou o espírito de uma época. Tudo precisa ser registrado, da comida que se comeu à grama que se pisou, da fila que se enfrentou ao par de óculos que se comprou. É como se as pessoas aceitassem, voluntariamente, expandir o número de poros, escoando através deles cada fiapo de privacidade. Na impossibilidade de fotografar ou guardar no bolso a tristeza, a história se resume a sensações leves e passageiras. Ter “apenas” uma experiência, sem exibi-la, virou heresia.

Faz pouco, o publicitário Marcello Serpa lembrou de um cartoon do ilustrador francês Jean-Jacques Sempé. Um casal assistia, encantado, um magnífico pôr de sol no mar. A paisagem despertava sentidos desconhecidos, intraduzíveis. O homem, então, empunhava uma câmera de vídeo (eram os anos 90) e passava a filmar a maravilha cósmica. Ato contínuo, dizia à mulher: “Não vejo a hora de ver isso na nossa TV em casa”. Não te traz à retina, paciente leitor, a surradíssima cena dos pascácios que gravam no celular a celebração de um gol no Maracanã? Substituem a vivência completa da alegria na arquibancada, onde desconhecidos se abraçam, pulam e ficam roucos de paixão, por meia dúzia de imagens opacas e perfeitamente descartáveis. É, mais uma vez, o espírito da época.

Não sou exatamente entendido em redes sociais, a mais perfeita tradução da fugacidade contemporânea. Sempre cheguei atrasado nas novidades tecnológicas. Resisti a usar CDs, mesmo quando eles já frequentavam altas e baixas rodas. Aderi ao computador e ao celular para não justificar o rótulo de pré-histórico, embora reconheça que mereço o título em outros departamentos. No Facebook desembarquei como solução de emergência para dialogar através dos meus textos. Por mal-entendidos, relacionados com possível censura, acabara de ser banido do site Carta Maior, que os publicava. Como opção inegociável, não revelo nomes, imagens e pormenores de familiares e de minha vida social. Não compreendo a busca frenética, e quase sempre ilusória, por notoriedade. Certas “informações” que circulam no espaço virtual ressuscitam o tempo em que, ainda garoto, eu lia os Mexericos da Candinha, na Revista do Rádio. Ih, menina, nem te conto!

Na última coluna do Gregório Duvivier ele fala do Instagram, espaço que não frequento. Ouvi dizer que é lá o paraíso das imagens. O Greg observa que “nos stories dali todo o mundo está se divertindo mais do que você”. Se é assim mesmo, ficam execrados os momentos de introspecção, de silêncio, de dúvida, de vazio. Quem necessita de uma máscara que aparenta felicidade e esconde toda sorte de turbulência? Ao que parece, bilhões de pessoas. Tenho a impressão de que está em vigor uma velha superstição: não fale em coisas ruins, atrai “energias negativas”.

Ilusão não é monopólio do mundo virtual. Há pouco mais de vinte anos, foi inaugurado, na Barra da Tijuca, o New York City Center. Os de fora do Rio saibam que a Barra é o território com maior concentração de palavras em inglês por metro quadrado fora dos Estados Unidos. Pois bem, na frente daquele shopping existe uma réplica da Estátua da Liberdade. O que pretende a estética esnobe e provinciana? Uma simulação de “Primeiro Mundo” e liberdade para consumir. Na verdade, não passa de um espelho das desigualdades, do funil que se alarga para os abonados e se estreita para a grande maioria. Aparência de prosperidade, vísceras de cafonice e desequilíbrio.

Abraço. E coragem.