Tornou-se um clássico dos cronistas. Sentar na frente da máquina de escrever (pré-história…) ou do teclado, com o papel ou a tela teimando em ficar em branco, é o pior dos pesadelos. Onde as ideias? Onde as palavras que dialogam? Bem, nos dias que correm não há do que reclamar. Assuntos não faltam.
Ficando no meu roçado, que tal a ameaça de fechamento do cinema Estação Net Rio, com suas simpáticas cinco salas? Desde os anos 50, o Rio perdeu mais de 160 cinemas de rua. Os últimos sete moicanos penam para sobreviver. O Roxy, joia arquitetônica, já foi pro brejo, era o último de Copacabana. Poderia também levar um papo com o ministro de Tuvalu, ilhota no oceano Pacífico, que discursou para a COP26 dentro do mar, com água pelas canelas. Já imaginou teu país afundando? Tivesse inspiração futurista, meu texto embarcaria numa viagem a uns 13 bilhões de anos-luz de distância, ao primeiro candidato a planeta fora da Via Láctea. Corpo celeste esquisitão, segundo cientistas. Quer saber de uma coisa? Esquisito por esquisito, vou escolher outro assunto.
Retomei contato com os netos, na readaptação lenta ao que costumávamos chamar de normal. A neta é da geração que transitou rapidamente da Peppa Pig ao Google. Mostrei-lhe na telinha a paródia que Weird Al Yankovic fez do Smells like teen spirit, clássico do Nirvana. Finda a bagunça visual, ela deu um sorriso enigmático e, como quem diz “agora, vamos ao que interessa”, abriu vários sites com historietas de mulheres que enfrentaram, e venceram, desafios. Uma feminista precoce. Tudo numa velocidade difícil de acompanhar. Em seguida, desligou a máquina e passou a esculpir bichinhos delicados. Essa menina querida preserva o espaço da imaginação. Ufa!
A geração atual leva uma vida vertiginosa, tudo muito veloz, no ritmo ditado por cadeias eletrônicas e informações fugazes. Um veneno sedutor, ornamentado com imagens cada vez mais realistas. Na segunda década do século passado, João do Rio escreveu a crônica A era do automóvel, em que reflete sobre as modificações no cotidiano introduzidas pelos carros. É um texto incomodamente atual. Poderia ter sido escrito, com pequenos reparos, anteontem. Cito uma passagem: “Agora é correr para a frente. Morre-se depressa para ser esquecido dali a momentos; come-se rapidamente sem pensar no que se come; arranja-se a vida depressa; escreve-se, ama-se, goza-se como um raio; pensa-se sem pensar no amanhã que se pode alcançar agora”.
Velocidade e espetacularização de cada aspecto da vida. Não há limite para a novidade, sempre e cada vez mais veloz. Formam-se filas nas madrugadas que antecedem o lançamento de novos modelos de celulares e computadores. Ninguém quer esperar nada. A exposição pública perde os freios, privacidade pra quê? Para atrair atenções, vale até flertar com a morte. Virou moda tirar selfies em locais perigosos ou em situações arriscadas. Entre janeiro de 2008 e julho de 2021, quase 400 pessoas morreram no mundo enquanto faziam selfies perigosas.
Neste ambiente, era pule de dez supor que surgiria um metaverso, universo onde as fronteiras entre os mundos real e virtual derreteriam. Este é o desejo das grandes corporações que lidam com sistemas virtuais. Num espaço definido e controlado por elas, as pessoas poderiam interagir através de avatares, imagens idealizadas dos corpos reais. Algumas previsões apontam para 10 ou 15 anos o prazo para a implantação deste espaço, incorporando-o ao cotidiano de bilhões de pessoas. Hoje, se você quiser se desligar de um dia estafante, pode, por exemplo, fumar um baseado ou anular-se num jogo eletrônico. Tomar um chope com amigos ou flanar por aí nem sempre é possível. Num futuro não tão distante, poderá passear no metaverso e interagir com outras ilusões. Quem sabe não inventam um jeito de humanos se mudarem de vez para o metaverso? Quanto tempo demorará para surgirem seres híbridos, coagulados numa genética avato-hominídea? E se avatares, por uma falha na programação original, resolverem se rebelar contra os humanos “imperfeitos”?
A primeira vez que tive contato com um jogo eletrônico rudimentar foi no final da década de 1980. Numa viagem a trabalho, achei um pequeno aparelho que alguém esqueceu na poltrona do avião. Na telinha luminosa, comandada por dois botões, aparecia um mergulhador que tentava chegar ao tesouro submerso, ameaçado por tentáculos de um polvo. O objetivo era impedir que os tentáculos capturassem o homem. A coisa, confesso, era meio embriagante. De lá pra cá, em velocidade incontrolável, surgiram tralhas de todos os tipos, hipnotizando usuários, viciando-os, roubando horas valiosas do convívio social. A radicalização deste processo tende ao metaverso (perdão pela péssima e involuntária rima). Será uma mistura sombria de filmes de terror e ficção-científica. No final da história, espero, haverá resistência. Estarei na linha de frente.
Abraço. E coragem.