A gente chega numa idade e a ficha cai: não adianta lutar por um mundo melhor, por mais justiça social, pelo fim da fome, e outras causas nobres. O ser humano é um predador sob qualquer regime político e em qualquer época, e sempre será. O Brasil apenas confirma a regra. Hoje, se eu e minha família estamos bem, é o que importa. Defendo minha família, e o resto que se vire (pra não dizer outra coisa). Incluo no máximo alguns amigos, desde que não me peçam dinheiro.
Vivemos bem em nosso condomínio, geladeira cheia e todas as benesses de uma vida confortável, mas não significa que não tenho preocupações. Exponho a seguir duas delas, e dou soluções.
Violência é uma delas. O número de roubos, assaltos, sequestros e mesmo latrocínios em meu bairro e cercanias é crescente. E vejam que nosso bairro é muito bem policiado, polo turístico da boemia e culinária, ótimos serviços. Pesquisei qual a melhor solução, e encontrei-a em passado recente. Durante o governo municipal de Marta Suplicy (2001-2005), quando ainda estava no PT, a prefeitura de São Paulo investiu pesado na periferia pobre da cidade. Saúde, educação, lazer, essas coisas. Dado interessante, comprovado por números: quanto mais investia na periferia, mais caía a criminalidade na cidade toda, em todas as modalidades de crimes, inclusive nos bairros ricos. Acho esta uma boa solução para diminuir a criminalidade em meu bairro.
Água. Com certeza vai faltar, e ficará mais cara. A energia de matriz hidrelétrica, também. Nosso condomínio pode pagar caminhões-pipa, mas prefiro usar este dinheiro para obras de melhoria em nosso prédio. Fui pesquisar a causa da crescente falta de chuvas, e uma das principais é o crescente desmatamento da Amazônia. Caminham em paralelo. A evapotranspiração do bioma amazônico é fundamental para regular o ciclo de chuvas no resto do país. Logo, a solução está em parar o desmatamento e reflorestar a área desmatada ilegalmente. A Polícia Federal e as Forças Armadas podem ajudar a expulsar os invasores. Acho esta uma boa solução para gastar meu dinheiro na reforma da sala de ginástica do meu prédio, ao invés de caminhões de água e contas de luz na bandeira vermelha.
Ironias à parte, estas soluções são verdadeiras e funcionam. Poderia prosseguir com outros exemplos, mas paro por aqui. Soa óbvio que investir no coletivo melhora a vida dos indivíduos e famílias, mas as dificuldades empurram muitos para soluções apenas individuais. Tem gente boa que, descrente da política, acha que consegue dar conta de tudo no âmbito individual. Não dá, e cada vez menos. E mesmo que dê, que tenha vida confortável, que país é esse que estamos deixando para filhos e netos? Imagino a decepção e o descrédito de quem votou num governo que não tem projeto algum para o país, e cuja palavra de ordem para toda sorte de desgraças que cria ou amplifica é “e daí?” Para um presidente que, em rede nacional, exalta a própria forma física como (falso) antídoto para um vírus perigoso, e que se dane quem não é atleta. Para um ministro da economia que quer extinguir o modelo solidário de aposentadoria e implementar regime de capitalização, em que cada um faz sua poupança, e quem não consegue fazer, que se dane. Somente falsas soluções individuais para questões coletivas, e colocadas de forma mentirosa. Sequer serviriam para síndico e conselho gestor de meu prédio, quanto mais de um país. Não sabem e não querem pensar no bem coletivo. E quem pensa somente no próprio bem estar está a um passo de colocar no poder aqueles que também pensam assim, mesmo que jurem colocar o país acima de tudo. Portas abertas para a barbárie da lei do mais forte, sem qualquer proteção para os mais fracos. E os mais fracos somos todos nós, mesmo que não percebamos.
Entre civilização e barbárie, não existe terceira via. Que saibamos identificar quem está em qual campo, e que rechacemos juntos a barbárie em todos os níveis. Ainda é tempo.