Não é fácil lidar com nossas perdas nesta pandemia. Creio que já não exista no Brasil alguém que não tenha sofrido a perda de um parente, de um amigo ou conhecido. Todos os dias recebo notícias de pessoas em luto. Comigo não é diferente, mesmo vivendo longe, a pandemia já me trouxe muita tristeza.

Ontem veio a notícia de mais um falecimento, Sergio Storch, um brasileiro, humanista, progressista, um judeu de esquerda nos deixou. Não resistiu ao descaso no cuidado da população para fazer frente a pandemia. Não foi somente a falta de preparo, foi também corrupção nos casos de compras de vacinas e meios de tratamento.

Onde todos viram uma tormenta, alguns viram uma oportunidade de enriquecerem. Com a dispensa de licitação para atendimento emergencial, políticos ligados ao governo acharam que era o momento de se locupletarem. Vacinas necessárias para salvar vidas tiveram seus preços alterados para atender gente inescrupulosa.

O Sergio sempre esteve ligado as ações progressistas com a parecela da comunidade judaica que não fazia parte do mainstreem. Eu o conheci há muitos anos atrás. Ele tinha esta capacidade de reunir os desgarrados da comunidade judaica. Aqueles que não coadunavam com a política subserviente a todo governo, especialmente durante a ditadura militar. Mostrava que não estávamos sós. Sabia encontrar o melhor que havia em cada um e logo apresentava outros, e cada vez mais gente ia se reunindo. Logo já havia um grupo.

Um idealista inconteste sempre pronto para a batalha por um mundo melhor. Defendia o Estado de Israel e um Estado Palestino, acreditava que todos os seres humanos nasciam iguais, buscava o socialismo e se empenhava nas causas sociais. Há poucos anos me disse que havia deixado de ser sionista. Nem por isso deixou de se importar com Israel.

Fizemos muitas coisas juntos. Uma delas foi a visita a um grupo do MST para se encontrar com o Stédile. Lá vimos como as crianças eram educadas para a paz e o Sergio os presenteou com uma música israelense tocada ao som do violino. Fomos até lá como sionistas socialistas.  Participamos juntos da iniciativa J-Amlat, um grupo ao estilo J-Street, de judeus latino-americanos e de muitas outras ações.

Claro que tivemos muitos desacordos, muitas desavenças, como acontece em toda família, mas no final, decorrido uma par de meses a gente voltava a se falar por conta de um novo projeto, de uma nova necessidade, ou apenas para pedir uma opinião. Quem conviveu com o Sergio sabe perfeitamente do que estou falando.

Seu legado é esta enorme manifestação de amigos e conhecidos que reconhecem sua grandiosidade, sua generosidade e sua paixão pela boa luta. Um bom sujeito, uma boa pessoa, um amigo que nos deixou. Um bom homem.

A passagem do Sergio se soma a de milhares de brasileiros que perderam a vida para este vírus. Boa parte deles poderia estar entre nós, não fosse a falta de ações do governo central que deixaram o país sem vacinas e induziram a população a tratamentos precoces protagonizados por charlatões sem nenhuma base científica.

Todos eles precisam ser alcançados pela justiça. Suas mãos estão sujas com o sangue dos que partiram. Eles são os verdadeiros assassinos, os que sonegaram informações, que indicaram tratamentos ineficazes até prejudiciais a saúde, contrariaram as medidas de prevenção consensuais da OMS e deixaram de importar vacinas quando elas mais foram necessárias.

Se o Sergio estivesse conosco agora, estaria como sempre esteve, na linha e frente contra este governo genocida e corrupto. Não é verdade que existam pessoas imprescindíveis, mas existem pessoas que são necessárias e ele foi uma delas. O Sergio era uma pessoa necessária. Fica um vazio na nossa trincheira, descanse em paz.