Samba Perdido – Capítulo 28 – parte 01

Capitulo 28

Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia.
Caetano Veloso - Canto Para o Povo de um Lugar

 

A próxima parada era João Pessoa, a capital da Paraíba. Dessa vez deixamos as caronas de lado e resolvemos ir de trem. Era quase de graça e a linha se afastava da costa e entrava pelo sertão à dentro. Dada a escassez de ferrovias no Brasil isso prometia uma viagem única e imperdível. Ela nos permitiria conhecer, mesmo que de relance, essa região tornada famosa em verso, prosa e música. Depois de saciar a fome, beber umas cervejas e dar uma volta pela belíssma Maceió, fomos para a estação. Na entrada, encontramos com os gaúchos da Praia do Francês que tinham gostado da ideia e tinham resolvido se juntar.

Assim que pusemos os pés dentro do terminal,  ​causamos uma comoção. Para os passageiros locais, ver aquela galera estranha era como presenciar a entrada da versão moderna da gangue de Pat Garrett e Billy the Kid ou de uma banda de rock recém-saída do inferno. Só faltava a camera lenta e a musica de filmes de faroeste. Sob olhares constantes e mal disfarçados, compramos passagens para o próximo trem que partiria dentro de uma hora. Sem mais nada para fazer, ficamos vagando pela estação achando graça do pessoal boquiaberto.

Depois que o trem partiu, tomamos posse de um vagão vazio. Pela janela, ficamos curtindo ver o verde litorâneo ficando para trás e paisagem se tornando muito diferente da que tínhamos visto pelo nordeste afora até então. Primeiro, veio o cerrado com sua vegetação densa porém seca e espinhosa e uns vinte minutos depos entramos na aridez do sertão.

Essa região semi desértica era a mais pobre e atrasada do Brasil, a ponto de ser considerada por estudiosos como a região mais semelhante à Europa medieval no mundo. Nela, o povo profundamente católico e supersticioso tinha um relacionamento semifeudal com os donos da terra. A cultura era machista ao extremo e havia um altíssimo grau de analfabetismo. Mesmo sabendo que não interagiriamos com essa população, só o fato de estar ali mudou o clima no trem. Continuamos em silêncio cruzando a vegetação rala no ar quente e depois de um tempo começamos a atravessar e a parar em cidades.

As estações dilapidadas pareciam remanescentes de uma era quando havia uma promessa nunca cumprida de prosperidade. Quando o trem parava, uma pequena multidão chegava às nossas janelas para nos vender todo tipo de coisa, desde garrafas d’água de plástico até animais silvestres. Em todo vilarejo, o trem era o maior evento do dia e nós – os cabeludos estranhos – os destaques. O povo se amontoava em nossas janelas apontando para nós e rindo como se fossemos uma banda de rock de gays drogados.

Algumas vezes faziam piadas sobre nós.“O sulista! Isso aí é cabelo de homem?” A meninada ria.

“Por que, bonitão? Quer que o teu macho fique gato como eu?” A meninada ria mais ainda, mas alguns não gostavam e ameaçavam jogar coisas.

Atrás das estações, mercados mambembes alojavam lojas de roupas baratas, botequins, açougues mal cheirosos e lojas de discos que tocavam alto músicas que davam arrepios de tão brega que eram. Homens andavam a cavalo nas ruas de terra batida entre carros enferrujados, jumentos sonolentos e cães magrelos. Por todo lado crianças descalças corriam sob o sol escaldante.

Quando o trem saía das cidadezinhas, voltava àquela paisagem árida e desolada que lembrava as de faroestes italianos. A população, porém, não era de camponeses mexicanos, mas uma mistura de descendentes de índios, brancos e africanos vivendo em casebres de barro com cobertura de palha. Os pequenos lotes de terra nela, lutavam para parecer fazendas naquele calor insuportável. As plantações eram mínimas e o gado era tão magro que dava para contar as costelas.

Os vagões e sua locomotiva azuis e antigos estavam nas últimas e pareciam em harmonia com o que nos cercava. Por conta do horror dos outros passageiros em compartilhar seus assentos com gente “do demo”, acabamos ficando sozinhos em nosso vagão durante a viagem inteira. Vez por outra, funcionários do trem entravam para conferir o que estávamos fazendo e geravam um silêncio hostil. Apesar da extrema pobreza passando do lado de fora e do clima tenso do lado de dentro, todos concordamos que o passeio estava sendo uma “viagem”. Claro, apesar da vigilância apertada, conseguimos fumar nosso veneno com as cabeças para fora das janelas.

*

No Rio, “paraíba” era o termo pejorativo dado aos membros do seu enorme contingente de nordestinos, sem distinção de onde vinham. Eles preenchiam o papel que mexicanos exercem nos Estados Unidos, árabes na França e paquistaneses no Reino Unido. Igual aos preconceituosos dos países ricos, muitos cariocas tinham sentimentos contraditórios com relação ao Nordestinos. Junto com o fascínio pela sua cultura e da admiração pela suas belezas naturais vinha a rejeição de imigrantes pobres vindos de lá com legados diferentes.

Quando o trem chegou em João Pessoa, a capital da Paraíba,  assim que comecamos a circular pela cidade, descobrimos que, pelo contrário, a cidade tinha – pelo menos a nível arquitetônico – uma sofisticação clássica que comparava bem com a do Rio. Suas construções bem conservadas do século 19 e suas avenidas elegantes delimitadas por árvores exuberantes com postes de luz de estilo antigo faziam a cidade muito charmosa.

Porém, o principal motivo de estar contente por estar ali era que uma amiga da faculdade, Francesca, estava passando as férias com sua família Paraibana. Como muitos outros membros da elite local, eram descendentes de italianos. Loura de olhos azuis, era deslumbrante a ponto de uma revista carioca a ter eleito como a musa daquele verão. Apesar disto, o seu atributo mais atraente era seu espírito de moleque e a gente se dava muito bem.

Dessa vez íamos ficar na casa do estudante universitário e assim que chegamos, ligamos para ela. “Richard! Pedro! Seus malucos!!! Como que vocês chegaram até aqui!!?? De que?! De carona de caminhão?? Pegaram o trem pelo sertão?! Hahahaha! Vocês são muito loucos!”

Depois das piadas e de contar alguns “causos”, fui à pergunta inevitável: “E aí, Francesca? Vamos se encontrar?”

“Claro!!” Daí ela cochichou baixinho: “Mas nada de pãpãpã porque o pessoal daqui é caretasso!!”

“Beleza, claro que não, só que você vai perder o veneno que trouxemos de Maceió.”

Ela deu uma risada. “Vocês tão aonde?”

“Na casa do estudante universitário, conhece?”

“Claro! Daqui a pouco tô passando aí!”

Receando que fossemos conhecer alguém da sua família endinheirada, nos vestimos da melhor maneira possível. Na falta de outra opção, colocamos umas roupas hipongas metidas a chique compradas em Salvador. Não demorou muito e ela chegou com dois primos, ambos educadíssimos e com um visual super conservador, com certeza membros eminentes da elite local. Após as apresentações, levaram Pedro e eu num carro elegantíssimo com ar-condicionado para conhecer João Pessoa. Depois, nos convidaram para jantar num restaurante elegante. Foi um convite desconfortável, mas aceitamos por causa da insistência da Francesca.

Eles acabaram fazendo questão de pagar a conta da peixada maravilhosa. Mas diferente do jantar bizarro com dupla de mergulhadores em Vitória e suas “amigas”, não havia nenhum interesse escuso. Porém, descobririamos mais tarde entre risadas que nos confundiram com um casal gay. Não era para menos: nossas roupas neo-hippies, batas e calças floridas e soltas jamais poderiam ser classificadas como roupas para macho em qualquer cidade do mundo em qualquer tempo da história.

Na realidade, mesmo com a má impressão que causamos, tinha esperanças de, quem sabe, engatar uma aventura de verão com a Francesca. Apesar de ter um namorado no Rio, nas matadas de aula nos jardins da faculdade rolava um clima forte. Entretanto, com a família dela por perto – e eu parecendo um extraterrestre para eles – as chances de que algo acontecesse eram zero.

Além da inacessibilidade da Francesca e da elegante arquitetura de João Pessoa, não havia muito o que nos atraísse ou nos prendesse lá. Decepcionados, depois de tres dias ali seguimos rumo ao norte, para Fortaleza, a capital do estado do Ceará, onde ficaríamos com um tio de Pedro.

*

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UM CORPO DE MULHER ( DESEJO QUE NÃO CALA )

Foi quando me vi olhando para o perfil do corpo daquela mulher, que se movimentava à minha frente.
Saboreei suas curvas e cintura fina emoldurada por um training preto, que a vazão da performance não escondia.
E sorri, acompanhando as nuances de um corpo fresco, trajes negros, a se movimentar.
Sua escultura me serviu de deleite a prescrutar, em minha imaginação, quais olhos serviriam à majestade daquele corpo esguio.  E não lhes imaginei, até o momento em que os cruzei, ziguezazeando-nos pelos desfiladeiros de um supermercado.
Pego-me, ainda, relembrando minha busca por um corpo feminino, pernas, deslize no andar, e minha descoberta, ainda que tardia, do aflorescer de um desejo inconteste.
Clausulo em fantasia, abro-me à medida em que meus sentidos não traiam, e meus afetos sejam, apenas, o desfrutar do prazer, sem enganos.
Minhas definições esbarram no medo da entrega, não menos a caricia do que poderá o contumaz trazer.  Um receio doce, por vezes aflitivo, em me descobrir meio ao avassalador que virá, ou não, trazendo o terno enlevo dos afetos cometidos.
Não mais pretendo desvendar o óbvio, fruto do desejo.  Mulheres são fonte de prazer e, nisso, sendo seu preço.
Ela resvala, límpida, no seu andar descompromissado ao que a cerca.   Eu a devoro em suas curvas, sem um rosto que me defina, mais ou menos, a atração.
Olho um corpo que se me destaca, e ele me sussura prazer.  Dele exalo, e me completo, assim sendo, desejando, em todo, uma mulher.  Aberta a essa confissão, destino do que, talvez, me aguarde.
Entrego-me ao fortuito de minha descoberta, sem mais pensar, acatando-me à realidade do que me pulse, nova descoberta.
Na verdade que existe em mim, extraio um casulo de esperança.  Quem sabe conhecerei o amor, ou o deliciar de momentos de enlevo.
Perguntas sem respostas, num principio em que não ha cartas marcadas.  O proprio desenrolar da vida dando sequencia a estorias, talvez acabadas, ou não.  Força em que se acredita, e sabe o melhor.
Vou rumando em meus dias, cultivando a sapiencia da esperança.  Do cultivar, em sonhos que voem a terra plana, não distantes do seu prumo.
No equilibrio entre a volupia e o terno, na busca da serenidade, onde há paixão.  No desejo mudo, em vida.  Sabe-se lá a que caminhos me levarão.

Educação para que?

“O Leite Condensado é para enfiar no rabo da imprensa. Vão pra PQP”. Assim falou o presidente do Brasil num rompante miliciano. Qual foi a consequência desta falta de respeito com o cargo que ocupa? Quem disse nenhuma ganhou uma caixa de chicletes.

O Brasil perdeu o respeito consigo mesmo. Sua honra, sua dignidade, sua história não significam mais nada. O país é um morador de rua entre as nações. Não se importa mais com a sua imagem, como é visto pelos seus pares. Passou com honra o fundo do poço.

Impressionante o desdém da mídia tradicional para os fatos. De um lado a compra de mantimentos de fornecedores suspeitos, para dizer o mínimo. Na sequência uma manifestação destemperada, chula de parte do mandatário brasileiro, e o assunto é logo esquecido.

As explicações para as compras são de um mundo paralelo. Nele os soldados bebem leite consensado para receberem mais calorias. Este leite é mais fácil de se guardar. Mas se feitas as contas, é como se cada membro das Forças Armadas tivesse recebido 1,5 lata de leite condensado por ano, considerando o preço real que é na média de R$ 28,00. Visto desta forma, é razoável o que foi adquirido.

No entanto as licitações de itens um pouco estranhos foram vencidas por fornecedores um tanto esquisitos. Os preços pagos são outra história. Isto sim justifica uma investigação rigorosa. São inúmeras suspeições de cartas marcadas.

Em uma nação qualquer, com o mínimo de civilidade, o governo teria vindo a público com uma explicação séria. Exporia os números reais, o destino da mercadoria e como ela é empregada. Tudo claro e transparente. E se fosse o caso, abriria imediatamente uma investigação para punir os responsáveis por qualquer questão ilegal.

Nada disso ocorreu. Primeiro a imprensa deu a entender que a compra tinha sido realizada pelo presidente para seu consumo. Depois voltou atrás, mas aí teve de escutar os palavrões do dignatário mor. Então mudaram de assunto.

O que precisa ficar claro é que nada justifica o destempero do presidente. O cargo que ele ocupa é maior do que ele. Para ocupá-lo é necessário vencer eleições democráticas. “De acordo com o texto de 1988, cabe ao vendedor as tarefas de chefe de Estado e de governo e de comandante das Forças Armadas. Na prática, isso significa que o presidente é o representante público mais elevado do País e o principal articulador das vontades da população”.

Para permanecer no cargo é necessário manter o decoro que o cargo exige. Um presidente não pode proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Isto é crime contra a probidade na administração, passível de processo de Impeachment.

Nunca um presidente do Brasil teve tantos pedidos de Impeachment. A maioria deles embasados em crimes tipificados na lei. Nada disso parece abalar quem deveria dar provimento aos pedidos de pelo menos um deles. Infelizmente ele tem o poder para isso e vai deixar o cargo sem tirar nenhum dos 62 pedidos da gaveta.

Qualquer presidente está sujeito a receber um pedido de Impeachment, isto aconteceu com todos. No entanto vale recordar que os dois efetivamente cassados, Collor e Dilma, receberam 24 e 37 respectivamente.

O que estamos presenciando atualmente é inédito. Eduardo Cunha vai lançar um livro onde entre outras histórias, conta como foi planejado o golpe contra Dilma que se utilizou de um dos pedidos de Impeachment para se concretizar. Dando nomes aos bois vai escancarar o que todo mundo sabe. Dilma foi deposta em um golpe branco, constitucional e indecoroso.

Uma das figuras envolvidas no golpe é justamente aquela pessoa que tem hoje o poder de abrir um processo contra Bolsonaro. Rodrigo Maia que tem péssimas relações com o presidente e ainda assim se nega a tomar uma atitude, nem mesmo se dá o trabalho de examinar os pedidos. Foi um tigre contra Dilma, mas é uma barata contra Bolsonaro se escondendo nas sombras.

A política é a arte de engolir sapos, e assim o PT vai ter de votar em outro partícipe do golpe para evitar que o candidato do Planalto assuma a Câmara. São as voltas que o mundo dá. Neste caso, uma ironia do destino, quase uma Escolha de Sofia.

O que se espera é que Baleia Rossi, se eleito, não aguarde muito tempo mais para dar início ao Impeachment daquele que seguramente é o pior presidente do Brasil de todos os tempos. Desta vez, não um processo baseado em ilações, mas em crimes cometidos contra o povo Brasileiro.

Tomara 2021 termine sem o vírus e sem o verme.