A construção de sentido é contrária ao vazio de sentido, que expressa o tédio, melancolia. O vazio é um estado passivo, tristonho, já a construção de sentido é o oposto, é a coragem, o entusiasmo de viver. Toda construção requer bons alicerces, e são dois os alicerces essenciais: as relações amorosas e o trabalho. A criança quando nasce é um antigo futuro sujeito, antigo porque cada um de seus pais tem já histórias que envolvem também os antepassados. Já o futuro da criança está por ser vivido, construído, a partir do nome próprio, no qual estão presentes os desejos inconscientes dos progenitores. Portanto, o bebê já nasce dividido, pois seu nome é posto por outros que não ele. Sua vida é totalmente dependente, não há assim o indivíduo – o não dividido –, mas sim um sujeito marcado pela divisão, pois convive o bebê entre a alienação e a separação. O amor, seja qual for, é sempre ambivalente, portanto convive com o ódio, as relações amorosas são conflitivas. Importante é que uma criança tenha uma base nas quais possa se apoiar, relação suficientemente boa, que ampare diante do desamparo.
A criança cresce e um dia enfrenta o desafio do trabalho. Uma vida independente envolve a construção de uma profissão, que permita sua autonomia. Essa decisão requer muito esforço, não é fácil para ninguém, e a confiança de um caminho é uma longa história, mas os pais, e outros, influenciam através dos seus desejos. Tem sido frequente tentar uma, duas ou três possibilidades de trabalho até o jovem se encontrar e sentir alegria e gratidão. Um exemplo é o que disse Winnicott sobre ser psicanalista: “Agradeço aos pacientes que pagam para me ensinar”. Viver é aprender, a gente está sempre aprendendo, e pobres são os que pensam saber tudo.
A construção de sentido são aventuras, odisseias que acompanham a cada um do nascimento à morte. Quantas vitórias e derrotas, ilusões e desilusões, sucessos e fracassos. São os labirintos surpreendentes, onde se entra num, se sai e já se está em outro. Ocorrem tristezas, até depressões, um vazio de sentido é vivido, tudo perde a cor, o sabor, e a dor toma conta do ser. Uma desconstrução, um pânico de não ser nada ou quase nada, uma perda de norte, de rumo, a gente se assusta.
Uma forma de ter um sentido de ser é se alienar em líderes religiosos ou não e seguir o que eles mandam. Vivem tensões, conflitos, mas buscam seguir os trilhos já abertos pelos familiares ou os mais variados pastores que regem seus rebanhos. São os que perdem a liberdade pela segurança prometida. Construir o sentido é um caminho de incertezas, e conta o quanto cada um foi amado, valorizado, nos primeiros anos de vida. Um dos obstáculos na construção é a compulsão à repetição, a necessidade de castigo através do masoquismo moral.
A construção do sentido de vida depende das parcerias como afirma um ditado zulu: “Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”. Quem recorda, quem pode ser grato, é capaz de aprender e construir seus próprios trilhos. No meio do desânimo pela pandemia, ou pelo desgoverno que escreveu na bandeira desordem e retrocesso, três dicas: o documentário “Os olhos abertos”, de Charlotte Dafol, sobre a comunidade do jornal “Boca de Rua” e “Terapia em Vertigem”, do grupo Porta dos Fundos. Finalmente para ver e rever Emicida: “AmarElo – É tudo pra ontem”. Não recebem a primeira página dos jornais mas fazem a história do que não estava no retrato. Construir é compartilhar partilhar, par, parcerias que entusiasmam e, assim diminuem o peso de ser. A leveza permite voar, abraçar e ser abraçado na beleza da imaginação
P.S.: Nos meses de janeiro e fevereiro darei uma folga para nós, mais que justa, e volto na primeira sexta-feira de março. Resistiremos.