Hora de liberar o Marquês de Sade que cochila dentro de mim. Vou pisar nas estrelas, ou melhor, nos pilantras que divulgam previsões baseadas em astros. Sei que o charlatanismo tem mercado. Como disse P. T. Barnum, salafrário das antigas: “A cada minuto nasce um otário.” Nos Estados Unidos, Meca de todo tipo de quinquilharia e modismo, 30% da população acreditam em astrologia. A mistificação movimentou, ano passado, US$ 2,2 bilhões.

Cada um que lide com suas inseguranças e ansiedades como quiser. Há, no entanto, um limite para isso. Quando se compara a herança de Omar Cardoso com ciência, pulo nas tamancas. Acreditar que os movimentos no cosmos determinam cotidianos e destinos, desenham personalidades e impulsos, faz tanto sentido quanto apostar no terraplanismo, na existência de homenzinhos verdes em Marte e nas previsões do Paulo Guedes. Acham que exagero?

Entre os famosos que morreram em 2020, estão Paulinho (cantor do Roupa Nova), Aldir Blanc, Sean Connery, Flávio Migliaccio, Kobe Bryant e Vanuza. Deviam ter traços comuns, mas um deles era o de serem do signo de Virgem. Em 31 de dezembro de 2019, o que previu para eles, e todos os virginianos (é assim que a parolagem funciona), Adriana Kastrup, celebridade no departamento de adivinhações para trouxas? “Saia de casa, saçarique à vontade, veja os amigos, porque sua senha é: divirta-se! O Sol voltou a brilhar para você. A leveza vai dar as caras e as coisas irão fluir sem tanto esforço.” Leveza, diversão, saçarico. Sei.

Astros, borra de café, búzios, bola de cristal, cartas, tripas de galinha. Não importa a ferramenta. Nenhum dos sábios do ramo conseguiu antecipar, mesmo que por mensagens cifradas, o que ia nos acontecer em 2020. Qual deles sugeriu que um vírus devastador paralisaria o planeta? Quantos dos que morreram infectados pelo coronavírus tinham previsão de leveza, diversão e saçarico? Talvez o universo tenha conspirado para desacreditar os que tentam desvendar-lhe os mistérios. Uma das características das previsões, e me baseio nos textos de madame Kastrup, é o otimismo subliminar. Pachequismo existencial. Sempre, caro passageiro e o tipo faceiro que está ao seu lado, vocês estarão bem. Ou muito próximos de estar.

No caso do Brasil, o ilusionismo barato não antecipou o agravamento da demência nos altos escalões da República. Onde estavam os astros que não nos avisaram que o sociopata assassino desdenharia dos milhares de mortos por Covid? Que o ministro da Saúde não entenderia como a população pode estar ansiosa e angustiada? Que a ministra dos Direitos Humanos não se envergonharia de divulgar documento fraudulento? Que o chanceler se orientaria pelas esquisitices de um vidente esquizofrênico? Que o facínora-mor tentaria isentar armas do imposto de importação, mantendo a taxa, por exemplo, para livros e alimentos da cesta básica?

Para não dizer que é tudo ouro de tolo, houve previsões que certamente se confirmaram. O autor da façanha foi Rabelais, no século XVI. O documento completo, muito bem-humorado e que divulgarei em breve, é “Prognóstico Pantagruelino, certo, verdadeiro e infalível, para o ano de 1533.” Para saciar a curiosidade dos leitores, eis alguns excertos:

“Neste ano, os cegos verão muito pouco, os surdos ouvirão mal, os mudos não dirão nada, os ricos passarão um pouco melhor dos que os pobres, e os sãos, melhor do que os doentes. Vários carneiros, bois, porcos, passarinhos, frangos e patos morrerão, e não será tão cruel a mortalidade dos macacos e dos dromedários. Os que tiverem diarreia irão muitas vezes à privada, as doenças dos olhos farão muito mal à vista.”

“Neste ano haverá tantos eclipses do Sol e da Lua que temo (não sem razão) que nossos bolsos sofrerão de inanição, e nossos sentidos, de perturbação. Saturno será retrógrado, Vênus direta, Mercúrio inconstante. E vários outros planetas não obedecerão ao nosso comando.”

Encerro convocando Ambrose Bierce. Jornalista, publicou, em 1906, O vocabulário do cínico. Dicionário com verbetes sarcásticos, ganhou, cinco anos mais tarde, a versão acabada, então com o nome de Dicionário do Diabo. Dele, extraio a palavra adivinhação (divination): “A arte de farejar o oculto. Há tantos tipos de adivinhação quanto há variedades frutíferas do palerma vicejante e do néscio precoce.”

Abraço. E coragem.