Pelo visto, para parte da comunidade judaica no Brasil as eleições para prefeitos e vereadores no Brasil, virou um caso diplomático. Uma parte da comunidade acha que os problemas de suas cidades não são nada se comparados ao que acontece com relação a Israel. A questão não é saúde, educação e segurança, isso tudo fica em segundo plano. O que interessa a eles é o que pensam os candidato com relação a Israel. E não apenas eles, seus partidos, os membros dos seus partidos e todos que um dia passaram por ele.
Umberto Eco, intelectual italiano, romancista e filósofo, autor de “O pêndulo de Foucault” e “O Nome da Rosa”, morreu em 19 de fevereiro, aos 84 anos, mas nos deixou uma fabulosa contribuição para identificar o fascismo e seus apoiadores no texto “Ur-Fascismo”, produzido originalmente para uma conferência proferida na Universidade Columbia, em abril de 1995, numa celebração da liberação da Europa. São 14 características que em parte, ou na sua totalidade, nos permitem compreender que ele está batendo a porta, ou já entrou.
Eco os convencionou “Ur-Fascismo”, fascismo eterno. Eu adaptei estas características para as convencionar de “J-Fascismo”. Veja a seguir estes pontos que identificam parte da comunidade judaica como fascista, aquela que apoia o governo Bolsonaro. São eles:
1. A primeira característica de um “J-Fascismo” é o culto da tradição. Os fascistas judeus são apegados a uma Israel que um dia no passado distante reinou nas duas margens do Rio Jordão. Um reino há muito desaparecido que permanece vivo no seu imaginário. Nesta Israel, não existe lugar para o Povo Palestino e a própria existência da Jordânia é contestada.
2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Esta parte da comunidade, vive do passado e do que foi um dia Israel e da sombra permanente do Holocausto. Não se importam com nada além da fantasia de que o mundo é antissemita, e quem for a favor de um estado Palestino, é contra a existência do Estado de Israel.
3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. Estes judeus chamam os demais judeus de traidores, de comunistas e até de antissemitas. Nas palavras de Eco fazem uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”. Por isso, agem de maneira atabalhoada, intempestiva e açodada.
4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. Ninguém pode criticar o Estado de Israel, nem mesmo a ONU. Eles são incapazes de aceitar a crítica, mesmo que construtiva ou vinda daqueles que se dizem amigos de Israel. Toda crítica é uma forma de traição e todo inimigo deve ser tratado como tal.
5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. São solenemente contra a diversidade, preconceituosos convictos. A comunidade precisa ser uníssona e rezar a sua cartilha. As vozes discordantes são consideradas de desgarrados da comunidade e sua identidade judaica é colocada em dúvida.
6. O “J-Fascismo” provém da frustração individual ou social. Os fascistas judeus em boa parte são excluídos sociais da sociedade, seja por sua fé incompreendida, por sua cor, por sua etnia e em muitos casos por sua condição econômica nos dois extremos, muito pobres, ou muito ricos. Seu mundo é a sua comunidade e só ela importa. Em algum momento de suas vidas foram chamados de judeus de maneira ofensiva e isto os marcou para sempre.
7. Privação de qualquer identidade social. Se dizem brasileiros patriotas, mas se identificam com Israel e com tudo que esteja relacionado a este país. Assim sendo, qualquer pessoa, incluindo especialmente candidatos a cargos eletivos, precisa declarar explicitamente seu apoio incondicional a Israel. Uma xenofobia exacerbada que torna seu inimigo quem não o fizer.
8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. O fascismo judaico é doentio na sua contradição sociológica. O fato de existirem judeus integrados na sociedade onde vivem, de se importarem com suas comunidades e se identificarem com ela, faz deles traidores de seu povo original, algo inaceitável, principalmente quando se dizem não sionistas, ou pior, antissionistas.
9. Para o “J-Fascismo” não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Pacifismo é coisa de maricas. Eles acreditam que a batalha pela vida é uma luta diária contra o antissemitismo que assola o mundo e está a espreita em cada esquina pronto para atacar. Todo candidato de esquerda em uma eleição é um inimigo a ser combatido juntamente com seus apoiadores, especialmente se forem judeus.
10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. Para os “J-Fascistas”, aqueles judeus que não se identificam com a sua causa, são a escória da comunidade. Eles sequer tem o direito de se intitularem como judeus, não sendo dignos de pertencerem a elite.
11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Para o “J-Fascismo”, Israel é motivo de idolatria permanente. Todo israelense é um herói que luta pela sobrevivência do país para que os judeus tenham um lar nacional e um porto seguro onde chegar quando o antissemitismo vingar. Sendo assim, defender Israel é uma razão para viver e para morrer.
12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o “J-Fascista” transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Como os “Ur-Fascistas”, eles também são misóginos e sentem prazer em atacar as judias de esquerda. Machistas, não aceitam as mulheres da comunidade que lutam por igualdade social e direitos humanos.
13. O “J-Fascismo” baseia-se em um “populismo qualitativo”. A comunidade judaica precisa ter um formato monolítico onde o pensamento é único, o deles. Não podem existir diferenças e a imagem que deve ser passada é aquela de uma comunidade que comunga dos mesmos ideais. Com o advento da Internet e das mídias sociais, isto tornou-se impossível, portanto os grupos dissonantes precisam ser combatidos.
Por fim, transcrevo na íntegra a última característica, apenas substituindo o “Ur-Fascismo”, por “J-Fascismo”.
14. O “J-Fascismo” fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de “J-Fascismo” são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.
Como podemos observar o fascismo judaico, por mais absurdo e contraditório que seja, existe e está presente na comunidade judaica brasileira. Onde nas manchetes da semana escreveram sobre os rachas de grupos judaicos em favor e contra o voto em Boulos, leia-se, os esclarecimentos a sociedade brasileira sobre a existência de fascistas judeus que em nada se diferenciam de seus congêneres não judeus.
A esquerda judaica brasileira está presente nestas eleições apoiando os candidatos progressistas. Estamos engajados em eleger Boulos em SP e Manu em Porto Alegre. Aos fascistas, judeus e não judeus a mesma mensagem: Não Passarão!
Somo a voz dissonante, aquela com um raciocínio complexo e crítico. Somos a luz do judaísmo humanista, orgulho de nossos profetas. Aqueles que lutam por um mundo melhor, por uma sociedade mais justa e combate o fascismo onde ele estiver.