por Jean Goldenbaum
Nós, quando moleques, fanáticos por futebol, crescemos com aquela interminável questão: quem é o melhor de todos os tempos? Pelé ou Maradona? Ah, para nós brasileiros era fácil: Pelé era incomparável. E já dizia algum “filósofo do futebol”, que ele era o número um e Maradona e era o número cinco, afinal números dois, três e quatro simplesmente não havia. Que orgulho era para nós assistir aos vídeos do Rei do Futebol, do Atleta do Século. Era um deleite para os olhos observar os gols que fez e também os que não fez, na Copa de 70. Até mesmo sua parceria musical com Jair Rodrigues nos soava tão bem aos ouvidos… É, o homem tinha três corações mesmo e nós tínhamos ele em nossos.
Em minha visão ingênua e pequena de menino era simples: Pelé era um ícone, um herói, e Maradona era um vilão, um cocainômano, alcoólatra e envolvido com a máfia napolitana. E ainda por cima havia trapaceado no gol de mão de 1986!
Ok. Ainda bem que este tempo em minha existência já passou. Diferentemente de Drummond que tinha saudades dos seus oito anos e da aurora de sua vida, e de Chico que cantava a saudade ingrata dos seus 12 anos, eu fico feliz por ter crescido. Não tenho saudades alguma daquelas épocas, mas isto é outra história. O que importa aqui é dizer que hoje me sinto feliz em ser consciente e sabedor de coisas. E também sabedor de que não sei muitíssimas coisas ainda. Ah, também cabe dizer que parei de assistir futebol há muito tempo, afinal a máquina capitalista simplesmente destroçou o antes saudável esporte, transformando-o em mero “entretenimento-pop-enlatado-multibilionário”.
Mas voltemos ao propósito deste breve artigo: Maradona, que hoje sei, é o verdadeiro ícone e herói, faleceu ontem e este texto é dedicado à sua memória. É dedicado à sua incontestável posição política socialista, à sua convicção ideológica e ao seu desejo de sempre externar tudo isto. É dedicado à sua camiseta de Che, à sua tatuagem de Fidel, à sua camisa da Seleção com o nome de Lula. E é também – por que não – uma celebração ao seu “gol roubado”, que gerou a melhor resposta da história dos esportes, quando o argentino foi perguntado se assumia que o tento foi feito com a mão. Sim, hermano de Lanús, foi mesmo com la mano de Dios.
Já Pelé, fui compreender depois, era a pessoa que aceitou com “imensa satisfação a honrosa missão de representar o ilustre governo” ditatorial brasileiro em 1970. Tais palavras estão contidas em uma carta do atleta ao militar Emílio Médici, ao qual ele se dirige como “muito digno Presidente” (história publicada em 2014 pelo jornalista Lúcio Castro no portal da ESPN Brasil).
Pelé era também a pessoa que não reconheceu sua falecida filha legítima, a vereadora Sandra Regina Machado. Como se justifica algo assim?…
Compreendi também que aquela fala aos prantos após seu milésimo gol no Maracanã, “Vamos proteger as criancinhas necessitadas”, era só demagogia mesmo. O tempo provou. Este sempre foi o caminho de Pelé: pensar somente nele mesmo e se alinhar àqueles que detêm o poder. Desde 1970, quando a famosa a foto erguendo a Jules Rimet ao lado de Médici foi tirada, só poderíamos esperar dele isso que vemos em 2020: o cidadão sujando a camisa do Santos Futebol Clube com o mais nefasto nome da história da política brasileira. Simplesmente asqueroso e vergonhoso, da mesma forma que provou ser o patético Neymar e tantos outros neymares que existem por aí.
Maradona, ao contrário, ao invés de falar à imprensa mainstream sobre “as criancinhas”, decidiu falar diretamente ao Papa João Paulo II, lembram-se? E que “enquadrada”, hein? Ele próprio depois explicou a discussão:
“Discuti com ele porque estava no Vaticano e vi todos aqueles tetos dourados e depois ouvi o Papa dizer que a Igreja estava preocupada com o bem-estar das crianças pobres. Venda seu teto, amigo, faça alguma coisa!”
Por fim, cabe ainda lembrar que Maradona se pronunciava sobre a causa do povo palestino, sobre o conflito das Malvinas e era muito consciente sobre as questões políticas em seu próprio país e na América Latina como um todo.
Infelizmente Maradona sofreu sempre com problemas de drogas e de alcoolismo e certamente isso contribuiu para que partisse muito antes da hora certa. Termino este breve tributo ao maior personagem da história do futebol com as palavras de quem dispensa apresentações, Presidente Lula:
“O Maradona, além de ser um grande futebolista, era um grande político. Falava de política, de soberania, de América Latina, em defesa dos pobres, em defesa da vida. O Maradona tinha palpite para quase todas as coisas que aconteciam no mundo que prejudicavam o povo trabalhador e o povo humilde. E quero dizer ao povo argentino: poucas vezes vi um jogador de bola parar de jogar e não parar. Porque Maradona parou, mas continuou jogando. Continuou jogando em pensamento, em suas opiniões políticas, em suas críticas, e continuou jogando para o povo pobre do mundo inteiro.”
Valeu, Pibe de Oro! Realmente você e Pelé são mesmo incomparáveis. Saudações da Resistência daqui da Terra aí ao Céu.