Um rei chamou seu ministro para conversar sobre o chefe dos jardineiros do palácio.
– Acompanho pelas janelas o trabalho cuidadoso dele– disse o Rei –, e me impressiona sua felicidade, mesmo sendo um homem pobre.
– Certamente – disse o ministro –, ele ama a natureza, mas se sua majestade tiver uma moeda de ouro para doar a ele, veremos como reagirá.
O ministro foi ao encontro do jardineiro e disse que o Rei havia doado uma moeda de ouro pelo trabalho que fazia nos jardins do palácio há anos. O homem tímido ficou feliz, pois nunca tivera uma só moeda de ouro em suas mãos. Após alguns anos, o jardineiro seguia trabalhando bem, mas aos poucos o Rei foi notando uma mudança no seu semblante, e com o tempo uma nova metamorfose. Então, após anos, o ministro foi falar com o trabalhador e perguntou como ia sua vida.
– “Estou bem e contente agora, pois cansei de me preocupar com a moeda de ouro. Um dia contei à minha esposa sobre a moeda escondida, da qual ela não sabia, e sua reação foi achar graça da história. Seu suave sorriso me fez pensar que não precisava mais da moeda. Cansei de cuidar do ouro e hoje estou aliviado, tenho uma boa família, e um bom trabalho. Eis a moeda, obrigado”.
Quando o dinheiro passa a ser o maior objetivo da vida de uma pessoa, já está instalada uma certa loucura. Ademais, ao longo da História, o dinheiro esteve também unido à guerra na compra de armas e mercenários. O dinheiro é tão sedutor que pode diminuir a vida amorosa, como ocorreu com o Tio Patinhas que tinha uma imensa caixa forte de ouro, e se banhava nas moedas. Os avarentos se casam com o dinheiro. O conhecido economista inglês J. M. Keynes escreveu que o entusiasmo pelo dinheiro pode ser um sabotador ao revelar propensões criminosas e patológicas. Keynes parece aqui escrever sobre as milícias. O dinheiro não é o vilão, ele é necessário em sociedade, o problema, disse o sábio Mujica, é o tempo que a gente se dedica a ganhar para comprar.
O tema do dinheiro no mundo psi e na cultura em geral, tem sido quase um tema tabu. Isso que Freud escreveu sobre o dinheiro em “Sobre as transmutações das pulsões, especialmente do erotismo anal”. A essência desse escrito de 1917 é uma equação regida pelo “falo”, o significante do desejo quanto a ser ou não ser o falo e tê-lo ou não. A essência da equação entre os vários equivalentes está no falo, que é uma representação do órgão viril que foi pintada e esculpida na Antiguidade. O falo expressa o poder soberano, a virilidade, pois o mundo se constituiu na lei do mais forte e o dinheiro é um dos poderes fálicos da equação. Entretanto, é a mulher hoje que ocupa o centro da vida social, como diz a música de Zé Keti: “Dinheiro pra que dinheiro, se ela não me dá bola…”.
Passados uns cem anos do ensaio sobre as transmutações das pulsões, convém repensar os elementos da equação simbólica. Ademais a palavra transmutações expressa os movimentos das pulsões em busca dos desejos. Quem vive só para enriquecer está fadado a empobrecer seu mundo desejante. Terríveis os que enriquecem a custa das florestas, a custa da fome e miséria dos demais, pois são expressões da crueldade. São os protegidos pelas Forças Desalmadas, que desprezam o amor, estupram a Mãe Terra, idolatram o dinheiro acima de tudo e de todos.
Bem que escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade: “O cofre do banco contém apenas dinheiro; frustra-se quem pensar que lá encontrará riqueza”. A riqueza humana vive e sobrevive em todos os tempos e espaços, como essa que chegou pelos ventos dos Andes. No Chile as mulheres e a juventude lideram a luta pela justiça, a liberdade e a própria dignidade. As lutas pela dignidade passam por pensar que ninguém enriquece com o dinheiro, como o jardineiro da história aprendeu com sua esposa.