A vida está tensa, meio sem graça, a máscara dificulta a respiração. Nem a primavera trouxe o alívio sonhado, diante das angústias na pandemia e da devastação que vive o País. A comunicação é virtual, os amigos não se abraçam, muito menos se beijam, os solitários inventam rotinas, as redes sociais buscam aplacar o tédio. O coração está tristonho, cansado. “Cansado” foi a palavra que um amigo distante escreveu, logo ele, velho sonhador de um mundo melhor e mais justo. Há certa exaustão na luta com poucos resultados, e um sentimento de retrocesso. Entretanto, em algum momento, o céu cinzento se abre, o Sol sorri e o dia se encanta ao som de Mozart. Antes, Kant escreveu sobre a importância que Epicuro deu ao coração alegre e satisfeito. Em francês, tem a expressão “savoir-faire”, que é poética, é a arte do bem dizer.

A grande artimanha da arte de viver é o aprendizado de um refinamento do sentido de humor, e da capacidade de brincar.
Alegria é uma questão essencial na vida e é tão pouco pensada em comparação à tristeza, à dor e às angústias. Quem tem a sorte de conviver com crianças percebe, facilmente, que riem e se divertem muito mais que nós, os adultos. Alguns mantêm a sabedoria da alegria, mas em geral, precisamos reaprender a alegria da infância. Ajuda estar entre as artes ou próximo da criatividade onde é possível encontrar o entusiasmo que dá um colorido especial à vida. Alegria é o deleite, é o gozo diante de algo que ocorre, por isso o poeta William Blake perguntava: “Diga-me o que é uma alegria? E em que jardins crescem as alegrias?”. As crianças dão aulas diárias de risos, desfrutam de suas brincadeiras. Crianças sofrem, choram, mas ainda assim constroem jardins floridos que vibram o cotidiano. A vida adulta é mais séria, os problemas tendem a abafar os sons dos sorrisos.

Conheci em Buenos Aires, na clínica em que atendia, uma mulher marcada pela tensão e um sofrimento sem fim.
A primeira vez em que vi Adela fiquei espantado com seu rosto todo pintado, sua pele branca marcada por cores fortes como o vermelho e o roxo, parecendo uma bruxa. Sentou e começou a contar que se sentia louca, estava isolada em casa, muito abatida, sem ânimo para nada. Falava de forma lenta, suas palavras eram pesadas, um tom tristonho, um semblante sofrido. Era uma mulher obesa, parecia ter saído de uma peça de teatro de terror. Fiquei inquieto, e, ao terminar a primeira consulta, senti um alívio. Foram muitos meses até Adela melhorar aos poucos. Bem aos poucos, foi se animando, acompanhada nos seus labirintos que pareciam sem saída. Entretanto, ao melhorar, ela começou a expressar sua intensa brabeza e uma desconfiança que a levava a estar sempre brigando. Então, começou a interromper o tratamento por suas desconfianças, mas após meses ela voltava, e assim foi durante anos. Quando vinha, estava sempre braba com familiares, perdera o pai cedo, filha única, sem contato com tios e primos, não tinha amigas. Suas dificuldades de convivência eram acentuadas, não lembro de uma só pessoa com tanta dificuldade de estabelecer laços afetivos. Vivia num mundo enlouquecido, a luta foi para não piorar.

Algumas vezes, pensei em dar por terminado o tratamento, mas Adela sempre voltava e não tinha mais ninguém. Um dia foi mudar de telefone e me fez um pedido estranho, que na agenda de pacientes não pusesse seu nome, que não gostava, mas outro. Perguntei qual ela desejava, e me disse o nome de uma avó. Na hora me ocorreu pedir um nome que iniciasse com a mesma letra do seu, pois assim seria mais fácil lembrar que era dela. Então me respondeu: “Alegria, pois quem sabe eu possa me sentir alegre com esse nome”. Fiquei com o coração alegre naquela hora… e também agora.