Insatisfeitos com o tamanho dos estragos feitos nos Estados Unidos e  Brasil, os movimentos evangélicos pentecostais querem mais, exportar seu projeto de poder para o outro lado do Atlântico. Atacam-se à política portuguesa, apoiam e até financiam o partido de extrema-direita Chega, liderado pelo ex-comentarista esportivo André Ventura, que embora não se chame Messias como Bolsonaro considera-se o salvador da pátria lusa. Seu ego é desmedido. Já confessou que não ficaria descontente em ser chamado de mito.

Ficou claro, desde a fundação do partido, em 9 de abril de 2019, que várias igrejas militavam a favor de Ventura, tendo inclusive participado ativamente da campanha eleitoral que o levou ao Parlamento. O que se desconhecia até agora era a imbricação entre o seu projeto político e o financiamento do Chega pelas seitas evangélicas pentecostais, revelado pelo jornalista Miguel Carvalho, na revista Visão.

O artigo mostrou que o pastor reformado de Loures, Constantino Ferreira, encaminhou para o Chega os dados de mais de 4 mil contatos recebidos no seu site religioso, para engrossar as fileiras do partido neofascista. Constantino confessou, sem pudor, que se calcou no trabalho feito pelas igrejas do outro lado do Atlântico, onde os apoios de evangélicos a Bolsonaro foram fundamentais para conquistar a presidência do Brasil.

A reportagem cita Damares Silva, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro e pastora evangélica: “É o momento da igreja ocupar a nação”.

As igrejas, algumas das quais consideradas seitas em Portugal, seguem também o exemplo  dos EUA, onde foi lançado, no início de janeiro, o movimento “Evangélicos por Trump”, uma reafirmação do apoio de grupos evangélicos radicais ao atual presidente. A agenda extremista de Trump, similar à de Bolsonaro na resposta à pandemia, é aplaudida entusiasticamente por André Ventura. Vários analistas reconhecem que esse projeto de poder seria impossível sem o apoio dos grupos evangélicos extremados.

O sonho de conquista de poder em Portugal pelos evangélicos neopentecostais existe há muito. A primeira tentativa data de 1995,  com o defunto Partido da Gente, criação da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo. Seu símbolo, além da letra “G” em fundo azul, tinha uma sugestiva vassoura vermelha. Essa experiência fracassou com um resultado eleitoral minguado, apenas 0,14% dos votos, mas as intenções não desapareceram, apenas esperaram melhor oportunidade. Esse momento parece ter surgido com a entrada em cena de André Ventura.

Os evangélicos eram 0,3% da população portuguesa (10 milhões de habitantes) em 2012, 4% em 2017, ano da publicação do último estudo do gênero pelo Pew Researsh Center. Fala-se que em 2020 pode estar beirando os 10%.

Dentre os pastores, muitos vêm do Brasil. No início deste ano, as autoridades migratórias de Portugal prenderam três pastores evangélicos brasileiros por tráfico humano e auxílio à imigração ilegal.

O trio, dois homens e uma mulher, usava a estrutura da igreja para convencer brasileiros a se mudarem para Portugal com promessas de trabalho e de auxílio à regularização, que acabava não acontecendo.

Uma vez em território português, os imigrantes passavam a morar —mediante pagamento de aluguel de 300 euros (cerca de R$ 1.800) –  em um alojamento anexo ao templo, localizado na região de Amadora, na Grande Lisboa, em condições precaríssimas. Além de pagarem para viver no espaço exíguo, caindo aos pedaços, amontoados uns sobre os outros, os brasileiros (incluindo crianças) também eram obrigados a contribuir com o dízimo.

De acordo com o Observatório de Tráfico de Seres Humanos, Portugal teve sinalizadas 168 vítimas deste crime em 2018, incluindo 29 menores de idade.

O professor de Sociologia da Religião da Universidade da Beira Interior, Donizete Rodrigues, relatou a Miguel Carvalho o resultado das suas pesquisas e as conclusões só surpreenderam quem não conhece o modus operandi dos evangélicos no Brasil e Estados Unidos: “É público que líderes e membros das igrejas [neopentecostais] financiam atividades partidárias” e, “como era de se esperar, o Chega faz parte desse esquema”. O mesmo pesquisador concluiu ainda que “muitos líderes e pastores evangélicos dirigem, nos cultos, grandes elogios ao partido fascista e ao seu líder. Na verdade, fazem campanha política aberta, o que ficou evidente na última eleição.”

 

Comenta-se que uma parte do dinheiro arrecadado nas missas das igrejas pentecostais engorda o caixa 2 do Chega.

 

Às vésperas da eleição presidencial do início de 2021, com André Ventura em 3° lugar nas pesquisas, próximo dos 10% das intenções de voto, os jornais questionam se é realmente possível que o Chega seja financiado pelo movimento evangélico neopentecostal. Se isso acontece, lê-se no indignado Público, de Lisboa, o fato é gravíssimo, além de ilegal, pois a Constituição portuguesa impõe a separação entre a Igreja e o Estado e estabelece que Portugal é um país laico. André Ventura lava as mãos como Pilatos quando confrontado com essa possibilidade. “Pelas minhas mãos ou que eu conheça, não entrou dinheiro nas contas bancárias do Chega de forma abusiva”, diz o deputado, mas a palavra de Ventura vale tanto quanto a de Jair Bolsonaro ou Donald Trump. Ele havia prometido cumprir o mandato legislativo em exclusividade e acumula vários cargos no setor privado, garantia ser contra as subvenções vitalícias e depois trouxe Sousa Lara para o seu lado, o mesmo político que nunca abdicou do direito à subvenção vitalícia estatal.

 

A extrema-direita no mundo tem mostrado que não distingue a política dos negócios, não seria de estranhar portanto que seria diferente com André Ventura e o Chega. Os financiamentos de partidos “amigos” ou de movimentos internacionais da alt-right são recorrentes. Há meses eclodiu o escândalo dos pagamentos da Rússia e dos seus oligarcas para a extrema-direita francesa, austríaca e italiana.

 

Aliás, para André Ventura, a própria política é um negócio, como explica um dos dirigentes do Chega, ao reconhecer que muitas assinaturas para a legalização do partido foram colhidas por estudantes, que receberam um euro por cada uma, em dinheiro vivo.