Triste é perder o espanto

Todas as crianças vivem o espanto, são curiosas, buscam seguir uma fila de formiguinhas para saber aonde vão. O mundo infantil se espanta diante da realidade, as crianças constroem teorias sexuais, são ávidas por histórias. Um menino ao ver o mar pela primeira vez ficou pasma com a imensidão e disse ao seu pai: “Quero que me ajudes a ver o mar”. A menina, diante de seu desconhecimento, pediu ajuda, assim é uma criança, pede ajuda aos pais, pergunta, questiona. Entretanto, boa parte dos adultos perdem, com o tempo, a capacidade do espanto, aprendem a ter certezas. Triste quando a gente imagina que sabe e a partir daí vive com explicações para tudo. Assim vão se fechando às maravilhas das novidades, das artes, da beleza e até o amor à natureza.

O espanto gerou a filosofia na velha Grécia, pois o espanto é reconhecer a ignorância e ir em busca do saber. Os poetas também se referem ao espanto na origem da poesia, bem como os cientistas em suas descobertas. O espanto – “to thaumazein” em grego – é a surpresa, é o desconhecimento que obriga a ir à busca do saber. Espanta como o Brasil passou em poucos anos de um país admirado no mundo todo ao elevar o nível de vida do povo, a um lugar desprezível que ocupa hoje. Luis Fernando Verissimo, perguntado sobre o atual presidente, disse numa conversa com amigos: “Não temos um presidente, o capitão é um cataclisma”. Cataclisma é uma catástrofe ambiental, um desastre de grandes proporções, uma tragédia. Lembrei então de outro cataclisma em que livros foram queimados.

No distante dia 10 de maio de 1933, uma multidão se reuniu na Praça Bebelplatz em Berlim para festejar uma imensa fogueira de livros. Livros de Freud, Marx, Thomas Mann, entre outros. Queimar livros na Praça em frente à Universidade ficou marcado na História como um um ódio à cultura. Poucos protestaram e o mundo ficou indiferente. Lembro-me desse dia com espanto, pois na Alemanha nasceram Kant, Goethe, Beethoven, e como uma cultura requintada pôde vibrar com a queima de livros?

Hoje o Brasil põe fogo no Pantanal como vem pondo na Amazônia. O Pantanal tem milhares de focos de incêndios, milhões de árvores queimadas, morte de animais, escassez de água e a destruição de assentamentos de tribos indígenas. Os livros queimados em 1933 foram reeditados, mas as árvores e os animais morrem. Aliás, o poeta alemão Goethe escreveu que a natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas. Talvez os que perderam a capacidade do espanto não precisam mais ler, imaginam que sabem.

Os poderosos do agro estão matando o Pantanal, assim como já fazem com a Amazônia com apoio do governo. “Vamos passar a boiada”, disse um ministro do meio ambiente, ou ministro contra o meio ambiente. Tudo anunciado nas eleições e posto em prática com o apoio das Forças Desalmadas, que se beneficiam desta crueldade com a natureza e a humanidade. Os filmes no Youtube, as fotos, os depoimentos revelam a realidade das queimadas negadas por mentirosos profissionais. O |Agro queima florestas, mata árvores, animais, criam o inferno no paraíso só para obter mais lucros. Não é possível ficar indiferente, não se pode perder a capacidade do espanto.
Espanto também é admiração, e admiro os que hoje defendem o Pantanal como podem e os índios e as ONGs que resistem na Amazônia.

Entretanto, chegou a primavera e já começam as chuvas no Pantanal. Lembro, para nossa alegria, que dia 26 de setembro o Verissimo está de aniversário. Obrigado amigo por tudo que escreves há mais de meio século, tuas palavras são graças diante das desgraças.