Ser humorista é um ato de coragem, visto que o humor é uma visão de mundo, que desnuda os poderes. O humor, antes de ser rebelde, pensa diferente, é livre para pensar, é irreverente, goza as proibições. Os dicionários definem a palavra rebelde como ser do contra, contra a ordem, as instituições, e aí revelam uma carga negativa. O humor expõe sua forma de ver o mundo, vê o outro lado da ordem e do progresso, goza qualquer poder, se diverte ao buscar o outro lado. O humor é um jogo, como já escreveu Freud em 1927: “Vejam este mundo que parece tão perigoso. Um jogo de crianças, bom nada mais que para brincar com ele”. E no final de seu “Humor” elogia o sentido de humor ao escrever que ele é um dom precioso e raro. Apesar disso ainda é difícil o humor abrir espaço na seriedade do mundo psicanalítico.
Aliás, um dos livros menos valorizados da obra de Freud é “A piada e sua relação com o inconsciente”. Título engraçado ao elevar a palavra piada à importância do inconsciente. Um dos méritos de Lacan foi ter recuperado o “witz” (a piada), e escreveu que a própria clínica tem um viés “witzig”, gracioso. Aliás, não faltam pesquisas hoje das neurociências sobre o sorriso do humor e do riso.
O humor começa na infância, aos dezoito meses, no final da Fase do Espelho, dando início a capacidade simbólica da criança. Humor é erótico, abre portas, corações e mentes, e o Supereu no humor alivia, trata de suavizar as derrotas, é mais leveza que peso. O humor é uma ética que elimina toda forma de hierarquia, seja ela econômica, política ou religiosa. Uma ética em que os ricos podem revelar-se pobres de espírito, milionários sem espirituosidade. Uma ética que suporta o inevitável, e pode, como Dom Quixote, sorrir diante dos fracassos. Por isso tudo o humor está presente nas artes, no amor e na vida cotidiana em geral. Já os mal-humorados não acham graça, carecem de sentido de humor, amam as certezas e têm no ódio ao diferente uma razão de viver.
O humor se arrisca a brincar até com as Forças Armadas e a terrível Lei de Segurança Nacional. E foi o que fez Gregório Duvivier no seu recente Gregnews “A ideologia do General”, onde expôs sua visão da história militar. Assegura que não deseja ser acusado de infringir qualquer lei, e então, em vez de criticar, faz um programa em defesa dos armados, saúda a instituição ilibada, infalível, fundamental na República. Revela que a maioria das intervenções das Forças Armadas foi contra nós mesmos. O Brasil está cheio de inimigos internos, como prova a intervenção militar em “Canudos” na Bahia, com vinte e cinco mil mortos entre homens, mulheres e crianças. E depois a guerra do “Contestado” em Santa Catarina, com dez mil mortos em nova intervenção do Exército. Sem esquecer o golpe de 1964, chamado de “Revolução”, mas que foi um golpe na democracia que durou vinte e um anos. Saudosos do poder agora voltam com mais de seis mil militares no governo, e ainda ocuparam o Ministério da Saúde. Um ministro do Supremo Tribunal Federal afirmou que eles podem ser responsabilizados pelo genocídio, e foi logo repreendido pelas Três Forças. Aliás, às vezes, se tem a impressão que há muito receio diante das forças ilibadas e infalíveis.
Realmente é preciso ter coragem para ser humorista, que ao brincar revela as mazelas dos poderes. Lembro o poema “Áporo” de Carlos Drummond de Andrade em que um inseto cava, cava em busca de um escape, em busca de saída. Buscar saídas, furar muros, são desafios atuais diante do autoritarismo, logo bem-vindo o humor capaz de animar os desanimados, dar sua graça diante a desgraça. O humor é um sorriso entre lágrimas.