Falecido há 8 dias (14/3/2020), Gustavo Bebianno parece ter sido sepultado não a 7 palmos abaixo da linha da terra, mas a 7 léguas. Desapareceu do noticiário geral e das mídias digitais, não obstante algumas teorias conspiratórias tenham tempestivamente pululado aqui e ali, e o escandaloso silêncio da família presidencial, que por si mesmo daria motivo a uma produção enciclopédica, parece que Bebianno foi literalmente agraciado com o beneplácito e obsequioso sossego, como se tivesse passado por esta vida como um iogue hinduísta, que seguiu diligentemente a diretriz de não incomodar o Universo, não esbarrar nas quinas da vida, não deixar a má palavra ou a ação desnecessária e perturbadora sobre o delicado tecido da existência.
Mas a história não é esta, a de um monge, por mais que em suas últimas manifestações não tenha economizado em viscosidade afetiva com o claro objetivo de descolar-se da besta-fera que ajudou a criar com tanto entusiasmo.
O estudo da biografia de Bebianno deveria sim estar no topo dos “trendings” dos historiadores e cientistas políticos, entre os quais, o analista Kennedy Alencar constitui exceção por ter trazido uma contundente síntese de sua trajetória meteórica no processo que levou Bolsonaro ao poder.
Gustavo Bebianno, que hoje descansa com excessiva e perigosamente injusta paz, condensa nos últimos anos de sua vida a militância protofascista que se apoderou do país usando como ferramentas todas as armas muito bem conhecidas pelos historiadores e cientistas sociais, que se somaram a um reconhecível e talvez admirável talento em retórica e estratégia dignos de um bom advogado que eu não sei se chegou a ser de fato – que alguém me corrija se necessário – que deram abrigo e energia à ressonância de um cabedal desorganizado e paranóide de conteúdos que formavam a mixórdia Olavo-Bolsonarista.
Se das jornadas de 2013 à eleição de Bolsonaro tudo o que se produziu desde Voltaire até Norberto Bobbio, de Spinoza até Adorno, foi esquecido por uma sociedade em transe, tudo o que não se pode permitir é o esquecimento da talvez maior lição que a história recente do Brasil tenha a nos ensinar, qual seja, o papel de um suposto “homem de bem”, de fala mansa e gliscróide, nos processos políticos e jurídicos que viabilizaram a ascensão de um psicopata ao cargo máximo da nação, sob o declarado discurso conservador, patriótico e indignado, dito e reconhecido por ele mesmo em suas últimas entrevistas, onde procurou, falando do lugar de um injustiçado, que a besta-fera que ajudou a criar passou a comportar-se efetivamente como besta-fera, como se isso fosse minimamente surpreendente.
Não podemos dar toda essa paz a Gustavo Bebianno. Podemos sim desejar que sob a Luz Divina possa regenerar sua alma e seguir em evolução no Universo, e pela vontade do Eterno. Mas esta é uma questão que já não nos pertence e à qual não podemos nem devemos nos arrogar, sob o risco de nos adaptarmos perfeitamente ao molde de personalidade e ação que viabiliza o falso Messias. Pois temos ainda, na nossa poluta saga, a missão de evoluir ainda em vida, tendo às mãos vultosa matéria prima para aprendizado que não pode repousar na paz do cemitério, sob pena de lá deitarmos em tempo menor que o devido.
NELSON NISENBAUM