A vida tem graça e desgraça, riso e lágrimas, ilusões e desilusões. A cada desilusão um coração partido, sofrido pela perda do entusiasmo. Ilusões amorosas, ilusões narcisistas, ilusões nos ideais. Essas vivências fazem parte das experiências essenciais da vida privada. A palavra ilusão deriva de i+ludere, o jogo dentro de si, brincar na imaginação. O que caracteriza a Ilusão é derivar-se do desejo, desejo inconsciente, ligado às primeiras vivências de satisfação. Ilusão, portanto não é o mesmo que um erro, pois há ilusões na obra de arte, mas também efetividade. Sonharam os nômades, e os sedentários, há fantasias ilusórias expressões de verdades nos clássicos de Homero, na “Bíblia” ou “As Mil e uma noites”. Obras marcantes tanto na vida privada como na vida pública.
Na vida pública hoje há desilusões com o crescimento das desigualdades sociais e os ataques à natureza, como os incêndios planejados da Floresta Amazônica. O ódio dos tempos persecutórios geram conflitos no seio de famílias e amizades. O coração está partido também por perceber tantos poderes apoiando à violência e o ódio. Os meios de comunicação são tratados como amigos, ou inimigos e o clima de ameaça aos jornalistas só cresce. Uma parte do País parece petrificada, com o coração frio. São indiferentes aos ataques diários a tudo que é público, seja educação, saúde, cultura, direitos adquiridos.
O governo pode mentir abertamente, pode ser cúmplice de greves policiais com um autoritarismo crescente e ameaçador. Portanto, há motivos para depressões, desânimos nesses tempos de desorientação. A Justiça está encolhida, a democracia com sua bandeira a meio pau, e povo quase apático diante da loucura crescente. O autoritarismo caminha em direção ao totalitarismo, pois aumentam as pressões contra a liberdade sob comando do Ministério da Justiça. O País flerta com o passado, está pervertido e dividido como numa guerra; uma guerra interna, como foi definida pelos estrategistas, nos tempos da ditadura militar.
A imagem do coração partido me fez lembrar a frase do Rabi Menachem Mendel, de Kotzk, Polônia. Ele disse: “Não há nada mais inteiro que um coração partido”. O coração que chora é inteiro, pois se humaniza, cresce ao suportar o sofrimento. Entretanto, às vezes, o coração não só é partido, como fica estilhaçado. Nem sempre o coração é reconstituído, às vezes ocorrem ataques do coração e desânimos. As desilusões doem, são dores psíquicas que levam tempo para serem superadas. Superar uma dor da alma, como ver o país ser invadido pela crueldade, é uma ferida narcisista que sangra. São anunciadas reações nesse mês de março, após um fevereiro de carnaval onde as escolas de samba ocuparam as avenidas.
Não foram poucas as ilusões e as desilusões que vivi. Primeiro sonhei com a segurança do Todo-Poderoso, depois o ideal do kibutz em Israel. Integrei a geração 68 e não perdia as manifestações de ruas e os debates universitários. Fui para Buenos Aires, onde fiz Psiquiatria e Psicanálise com colegas canhotos e outros não tanto, mas igualmente essenciais. Antes de voltar da vida portenha, entendi que a democracia com justiça é uma revolução. Conclusão a que cheguei sobre os limites humanos, decorrentes da realidade, em parte, e também graças à Psicanálise. A revolução possível aqui seria uma democracia social. O sonho de uma sociedade ideal não leva em consideração a sede de poder insaciável dos poderosos. Hoje o Brasil retrocedeu, está numa fase em que a força bruta manda mais que a civilização, bem mais.
Os sonhos, as ilusões e as dolorosas desilusões fazem parte da vida do mundo público e privado. Tempos de frustrações requerem uma capacidade negativa para transformar, mesmo que lentamente, derrotas em vitórias, perdas em ganhos. Importante nesses tempos é manter a capacidade de espanto para aprender sobre o ontem, o hoje e o amanhã. E assim manter, de alguma forma, o entusiasmo da rebeldia amorosa na resistência a crueldade. Aplaudo e busco aprender dos que conseguem manter o humor e alegria em tempos de tanto ódio.