Quando eu soube que o Mauro Nadvorny havia criado este novo e muito importante espaço na internet destinado à voz da Esquerda Judaica, e estava convidando outros ativistas a produzir para este juntamente com ele, me perguntei sobre como eu poderia colaborar. Refletindo sobre isto, e levando em consideração que já escrevo artigos e gravo vídeos para outros jornais e canais da Resistência Brasileira, surgiu-me a ideia de produzir aqui textos mais espontâneos, que relatem passagens interessantes ocorridas aqui na Europa (vivo em Hannover, Alemanha), ou opiniões menos analíticas e minuciosas, e mais despretensiosas e instintivas.

Vamos ver no que dá?

Pois bem, hoje eu gostaria de contar a vocês sobre o “desafio” que enfrento todas as vezes que procuro descrever a um alemão (ou a algum europeu de modo geral) a respeito da absurdez dos fatos que ocorrem no campo político do Brasil hoje em dia.

Quando estou em vias de começar a explicar a colegas sobre algum evento brasileiro, já suspiro, pois sei o que me espera. Além dos choques culturais que nunca permitirão que um europeu compreenda que movimentos políticos inventariam e promoveriam mentiras tão baixas como “kit gay” e “mamadeira de p…”, há também no cidadão do velho mundo uma completa incapacidade de assimilar alucinações em um nível que – aparentemente – só ocorrem no Brasil. “Jesus na goiabeira”, “menina de rosa, menino de azul”… É demais para os gringos. “Empregada doméstica ia à Disney”… Eles nem ao menos sabem o que é empregada doméstica (e nem o que é a neo-escravidão ou escravidão moderna).

Desta forma, após algumas tentativas desesperadas de relatar a colegas sobre os inacreditáveis eventos que começaram a se intensificar no Brasil em 2018, desisti de tentar “impressioná-los”. Escrevi entretanto uma formal carta aberta, lida em público na Universidade de Música de Hannover (onde sou professor e pesquisador), carta esta que continha as declarações mais palpáveis do atual presidente (“negros pesados por arroba”, “não te estupro porque você não merece”, “filho gay é melhor morto” e por aí adiante). Esta carta pareceu surtir algum efeito nos ouvintes. Ainda assim, meu trabalho de conscientização do povo daqui sobre o terror que o Brasil vive, é realizado a passo de formiguinha. Mas sigo em frente, pois sei que não haveria de ser diferente.

Enfim, no mês passado, decidi contar aos colegas o mais recente “causo” brasileiro, afinal este teve tudo a ver não somente com a história dos judeus, mas com a dos alemães também. Dispus-me então a explicar que o então Secretário de Cultura, escolhido pessoalmente pelo presidente, havia se filmado proferindo um discurso copiado de Goebbels de forma praticamente literal.

O rosto de meus colegas sugeria que por suas cabeças passava algo do tipo:

-“Acho que o Jean está gozando de nossa cara… Ele acha que somos bobos de acreditar em algo assim?”

Acrescentei então que no cenário do vídeo, cuidadosamente preparado, havia também a foto do Führer brasileiro e a bandeira nacional, exatamente como mandava o figurino hitlerista.

-“Talvez o Jean esteja confuso… Deve ter sido um vídeo de sátira, um esquete… E o Jean provavelmente não saca nada de comédia…”

Prossegui e relatei a cereja do bolo, mencionando que a trilha sonora era a música de Wagner.

-“Ah, o Jean está querendo impressionar a gente, pintando o terceiro mundo como um lugar selvagem, onde políticos podem emular Hitler em plena luz do dia…”

-“Nem o Trump (este nós conhecemos!), que é completamente lunático, fez coisas assim… Todas estas histórias que o Jean nos conta são meio mal contadas…”

-“Além do mais, o Jean é judeu, sul-americano e artista! Com esta combinação, dá para esperar histórias doidas mesmo!…”

Bem, ninguém me disse nada disso, mas é a impressão que tive, rs. Só ficaram me olhando com uma expressão de ponto de interrogação misturada a um ceticismo do estilo “essas histórias não pertencem ao nosso mundo”.

Diante da reação deles, acabei sorrindo/rindo de maneira genuína, mas ainda assim um pouco irônica e desesperançosa. Posso culpá-los por não entender o que ocorre no mundo paralelo e distópico que é hoje o Brasil? Talvez um pouco, pela conhecida alienação “primeiro mundista”. Mas não muito, afinal, a realidade do país de fato não é crível. Parece um pesadelo maluco todos os dias.

Enfim, eu já devo ter escrito isto em algum outro texto, mas cabe escrever aqui novamente, já que estamos falando de europeus, judeus, nazistas, distopias, incompreensões, etc. Sempre penso muito em Stefan Zweig, tanto por ser um de meus pensadores preferidos, quanto por questões pessoais que fazem com que eu me identifique muito com ele. Pois bem, em 1941 ele escreveu o livro ‘Brasil: Um país do futuro’. É um livro que julgo “problemático”, com traços da ingenuidade e da incompreensão europeia sobre o Novo Mundo. Ainda assim, há nele pontos reais, foi escrito por uma grande mente, e fez com que por muito tempo perguntássemos a nós mesmos se a premissa seria verdadeira em algum momento.

Pois é, hoje o Brasil caminha em direção à sua consolidação como a capital mundial do Neonazifascismo. Parece que a intuição de Zweig estava mesmo muito errada. E espero de coração que os europeus – e todos os estrangeiros do mundo – comecem realmente a compreender o que está ocorrendo no Brasil e ajudem a Resistência Brasileira nesta luta que está sendo perdida. Afinal, em breve será tarde demais. E os “causos” que hoje conto por aqui serão compreendidos no futuro apenas como antigas passagens de uma irreversível história de destruição.