A comemoração da Páscoa Judaica, o Pessach, ou a Festa da Liberdade, como a chamamos, faz muito que me é complicada. Como comemorar uma festa da liberdade quando nos tornamos opressores de outro povo que luta pela sua?

Esta dicotomia entre alegria e tristeza, certo e errado, liberdade e escravidão me assombram todo ano nesta época e invariavelmente me torno repetitivo escrevendo sobre ela como forma de expiação.

Todo ano repetimos uma história de vida que é passada de geração a geração sobre o valor da liberdade. Eu a escutei de meus avós, de meus pais e passei para minhas filhas. Nunca esquecer que um dia fomos escravos no Egito e lutamos por nossa liberdade e o direito de ser uma nação livre na Terra de Israel.

Não escutei de meus avós, tampouco de meus pais, que nos tornamos um povo colonialista que nega ao Povo Palestino seu direito a uma nação. Eu vivi esta história, aprendi com ela e a passo todos os anos na mesa do Pessach. Justiça tem que ser para todos.

Israel é o Lar do Povo Judeu e isto nunca vai mudar. Somos uma terra de incríveis contrastes e aqui se vive diariamente os problemas de um país de enormes conquistas na ciência e na medicina, por exemplo, e ao mesmo tempo de vergonhosas cenas de um verdadeiro Apartheid.

Não se enganem, Israel não é exatamente uma democracia e dependendo do ângulo que se queira olhar, somos uma verdadeira ditadura. As leis não são iguais para todos os cidadãos, elas são aplicadas de acordo com a cor, religião e nacionalidade. As penas para crimes similares cometidos por cidadãos israelenses são aplicadas conforme estas distinções. Assim, um assassino muçulmano de um cidadão judeu terá uma pena 3 vezes maior do que um cidadão judeu que mate um muçulmano.

É legal que um israelense compre uma terra de um palestino, mas não o contrário. É legal a demolição de casas palestinas construídas a dezenas de anos sem autorização (eles raramente conseguem uma), mas casas de judeus dificilmente serão colocadas abaixo. Terras de proprietários palestinos são expropriadas e nelas se estabelecem novos colonos. Estradas são construídas na Cisjordânia ocupada somente para o trânsito de israelenses. Para os palestinos existem barreiras a cada tantos quilômetros, desvios e bloqueios.

Se alguém estava pensando que o estado só persegue os palestinos, não está a par da política de exceção aos judeus que concordam com o BDS, ou que simplesmente apoiam a ideia de um Estado Palestino, que fazem trabalhos humanitários nos territórios, ou que pedem respeito aos direitos humanos.

Qualquer grupo judaico, ou individuo judeu que apoie o BDS, tem sua entrada barrada no aeroporto. Judeus que vem a Israel fazer trabalhos humanitários são interrogados pelas forças de segurança na sua entrada, e quando não são enviados de volta imediatamente, podem ter pertences como Computadores e celulares apreendidos na sua saída.

Ainda assim, e apesar de todos os reveses que enfrentamos, existem israelense que respeitam e enaltecem o espírito de liberdade do Pessach. Indivíduos e grupos que lutam diariamente para mudar este estado de coisas. Pessoas que fazem a diferença e mostram com o seu sacrifício que o verdadeiro sionismo é o socialista, não este que foi usurpado por fanáticos da extrema direita.

A esquerda israelense vive atualmente seu maior dilema. Permanecer dividida ou se unir em um único partido. Esta união deve ser entre os partidos judaicos, ou finalmente vamos ter um partido que não faça distinção entre judeus e árabes, uma a esquerda formada por cidadãos israelenses de todas as etnias. Um partido que lute pela igualdade de todos os habitantes de Israel.

Por isso, nesta data, quando o direito a liberdade está sendo enaltecido, quando as famílias judaicas estiverem sentadas à mesa lendo a Hagadá de Pessach (a história da saída do Egito), levantem um copo de vinho pela Paz e a Reconciliação com o Povo Palestino pela criação de seu Estado, o que permitirá a Israel continuar sendo um país judaico e democrático,  pertencente a todos os seus cidadãos com os mesmos direitos e deveres.

Amém.