Como se posicionar diante do fato consumado que está acontecendo no Líbano, tem sido algo que me atormenta nos últimos dias. De um lado a paixão com toda minha solidariedade com amigos, parentes e concidadãos de Israel que estão sofrendo sob o impacto de centenas de mísseis que caem a toda hora no norte do país. De outro a razão que me faz pensar o que tudo isso significa.

Claro que Israel foi provocado. Teve seu território invadido, soldados mortos e dois seqüestrados para servirem de moeda de barganha numa futura troca de prisioneiros. Claro que Israel respondeu como qualquer estado soberano o faria, despejando toda sua força e capacidade militar para demonstrar que não aceitou o que ocorreu como uma ação isolada e inconseqüente.

Nenhuma das superpotências está em condições de condenar Israel. A Rússia por exemplo, que pede apenas que Israel se contenha um pouco mais, destruiu Grozny, a capital de Chechênia, quando invadiu aquela república em 1999, e deixou em ruínas o que restou do território. O que fez a França na Argélia não difere muito e poderia seguir enumerando um a um cada país e suas respectivas atitudes pouco civilizadas cometidas nos anos recentes

A crise do Líbano me faz recordar do imenso lamaçal que Israel se envolveu em 1992. O país é constituído por comunidades que praticamente vivem como estados dentro de um estado. Cada comunidade, xiita, cristã ou druza, além é claro dos refugiados palestinos, possui sua própria milícia e obedecem aos seus respectivos clãs antes de acatar ordens do governo central. Uns são pró-sírios, outros não. O sul de Beirute por exemplo, assim com o sul do Líbano é território do Hizbolláh. Nem a polícia e nem o exército libanês podem entrar lá sem autorização.

A guerra civil libanesa entre 1975 e 1990 esgotou o país e o submeteu ao jugo da Síria que ocupou militarmente a maior parte do país. Se de um lado conseguiu o fim das hostilidades, de outro subjugou o país como se fosse uma província sua.

O Líbano é um legítimo saco de gatos, sem nenhuma intenção depreciativa. O que podemos esperar de um país que não tem forças sequer para impor a lei na sua própria capital? Este é o fato importante. Não adianta se dizer que o Hizbolláh faz parte do governo, que o ataque partiu do território soberano libanês etc. Tudo isto é pura falácia. O governo libanês mal governa a si mesmo. Presidente pró-sírio não se entende com o primeiro ministro anti-sírio. O parlamento pende de um lado para o outro. E enquanto isso políticos são assassinados por agentes sírios sem que ninguém, seja preso ou acusado. Esta é a realidade.

A resposta israelense ao ataque sofrido se voltou contra todo o Líbano. Em minha opinião, má estratégia, mas quem sou eu para discutir isso com os generais? As bombas estão vitimando membros do Hizbolláh, simpatizantes e até mesmo seus inimigos históricos. Alguém deve saber o está fazendo. E talvez um dia eu seja obrigado a reconhecer que tinha razão, mas por enquanto acho que algo está errado.

Vamos supor que minha cegueira pacifista não seja capaz de compreender que esta brilhante estratégia de destruir toda a infra-estrutura do país a fim de esmagar os terroristas esteja correta, e digamos que dentro de algum tempo, depois de milhares de baixas e duas economias em ruínas, o exército israelense consiga acabar com o último terrorista e liquidar com todo o seu armamento até a última bala. Quanto tempo vai levar para que a Síria e o Irã reponham tudo isso? Um mês? Um ano? Não importa, eles vão repor e tudo vai voltar ao que era antes. Com uma diferença, as vidas perdidas nunca mais vão receber uma nova chance.

Quando leio artigo de Amos Oz a favor da guerra, vejo o Shalom Hachshav (Paz Agora) paralisado, percebo que alguma coisa diferente aconteceu. A honra militar, a dignidade do exército foi ferida com aquele ataque palestino que seqüestrou um soldado e se cobriu de vergonha e raiva incontrolada quando outros dois foram seqüestrados pelo Hizbolláh. Foi a gota d’água que fez derramar uma avalanche de ataques e contra ataques sem fim aparente.

Tomemos como exemplo por alguns instantes o que está ocorrendo em Gaza. Israel prendeu parlamentares do Hamas, militantes de todas as facções, vem bombardeando e matando militantes e civis, arrasando com o que restava da infra-estrutura civil, dividindo a região e ainda assim não trouxe o soldado de volta para casa. Por que seria lógico imaginar que no Líbano seria diferente?

Esta parece que vai ser mais uma guerra daquelas em que todos saem perdendo. Perdem as famílias que tem seus filhos entregues em caixões. Perdem aquelas que são atingidas por disparos, ou que perdem seus locais de trabalho, ou que são obrigadas a abandonar suas casas. Perdem os dois países com a destruição e a perda econômica com o custo dia da guerra.Todos perdem tudo até mesmo a razão quando se olhar para trás e se perceber que nenhum dos objetivos foi alcançado.

Resta portanto responder ao que todos os que chegaram até aqui estão se perguntando: o que deveria ter sido feito? Esta é uma pergunta cuja resposta se torna totalmente irrelevante. A grande questão é o que pode ser feito agora. Para esta questão eu tenho a dizer que devemos apoiar as iniciativas diplomáticas exeqüíveis, ou sejam, aquelas que levam em conta a realidade dos acontecimentos. Neste sentido um cessar fogo ainda não é plausível.

Acredito que a solução passa por uma ação de compromisso entre os dois países e forças estrangeiras sob o auspício da ONU ou da OTAM. Uma força capaz de impor a lei e a ordem no sul do Líbano precisa ser composta com capacidade de usar a força necessária para isso, até que o governo libanês tenha as condições políticas para ocupar a região e desarmar o Hizbolláh. Síria e Irã precisam ser responsabilizados pelo imediato retorno dos soldados seqüestrados e Israel precisa fazer um gesto de boa vontade libertando prisioneiros libaneses.

Infelizmente vamos seguir assistindo a guerra pela televisão por mais algum tempo. A razão demora a prevalecer sobre a paixão. Muita dor e muito sofrimento vão ser necessários até que se calem ar armas. Algumas vozes já se fazem ouvir. Muitas mais vão ser necessárias. Eu já estou começando a gritar.