Há cerca de dois meses a revista Veja estampou na sua capa o rosto do Deputado Roberto Jefferson, tendo como pano de fundo o funcionário dos correios Maurício Marinho recebendo uma propina (dizem de R$ 3.000,00 reais, mas eu não sei quem contou).
De lá para cá estamos assistindo a uma enxurrada de delações transmitidas por todos os meios de comunicação numa guerra nunca antes vista por quem trará o anúncio de mais uma maracutaia, a maior de todas, a pior de todas, aquela capaz de derrubar um ministro, ou quem sabe o presidente da nação.
Por razões profissionais aprendi nos últimos anos duas importantes lições. A primeira de que nem tudo é o que aparenta ser. A segunda, de que existe uma grande diferença entre fatos e versões.
Estamos vivendo um momento único. Não, não é o fato de termos descoberto que até o PT seria capaz de fazer o que os outros partidos sempre fizeram. Refiro-me ao fato de que estamos diante de uma das maiores lavagens cerebrais nunca jamais vistas. Estamos diante de uma alucinação coletiva. Todos falam de supostos acontecimentos como se eles tivessem ocorrido e aguardam a punição dos culpados, como se culpados houvessem de algo que sequer foi provado sua ocorrência.
Alguém já se parou para pensar que os congressistas estão fazendo papel de polícia, promotores de jornalistas e jornalistas de juízes? E a polícia? Bem, a polícia está tentando trabalhar, mas não querem que ela cumpra o seu papel. Polícia deve correr atrás de ladrão de galinhas. Investigar congressistas é coisa séria, uma vez que eles fazem parte de uma casta especial que dá a eles fórum privilegiado.
Roberto Jefferson ficou magoado ao não ter sido defendido pela base aliada daquela insinuação feita pela Veja. Convenhamos, aquilo foi o mais puro jornalismo marrom. Sou 100% favorável à liberdade de imprensa, mas sou 1000% favorável à responsabilidade de imprensa. O que a Veja fez nos remete ao caso da Escola de Base quando a imprensa acabou com a ida de um casal acusando-os de molestarem sexualmente as crianças da escola. Tudo isso simplesmente dando voz a conclusões irresponsáveis do delegado do caso. Para demonstrar todo o seu desprezo, Roberto Jefferson anunciou ao país a existência de um pagamento mensal feito pelo PT para a compra de deputados do PP e do PL. Não de alguns deputados, mas de toda a bancada. Mais do que isso deu nome ao boi, chamou de “mensalão”. Foi o que bastou para que uma onda de indignação tomasse conta de toda a nação, apenas para ficar na rima.
Analisei as palavras de Roberto Jefferson com a Tecnologia de Análise de Voz israelense com a qual trabalho. Ele realmente acreditava no que dizia (na verdade no que o ex-presidente do PTB, José Carlos Martinez havia contado a ele), mas isto não prova que o PT pagava as bancadas do PP e do PL mesadas de qualquer tipo. É mais ou menos como analisar um sujeito que diz ter sido abduzido por um disco voador. A análise pode comprovar que ele está dizendo a verdade. Isto prova que ele realmente acredita ter estado num disco voador, mas de maneira alguma prova a existência deles.
A vitória de um trabalhador para a presidência do Brasil não foi suportada por muita gente. Nem de longe somos um país de maioria socialista, sequer de esquerda. Lula chegou lá por seu mérito, muito mais do que pelo de seu partido. Tanto assim que não fez maioria absoluta no Congresso e alianças com outros partidos foram à única forma de poder governar. Simples e pragmático. Qualquer coisa diferente disso seria o mesmo que entregar a presidência ao segundo colocado.
Roberto Jefferson armou a fogueira e a mídia se encarregou de mantê-la acesa jogando constantemente gasolina. Congressistas do PFL (aquele partido de Antonio Carlos Magalhães que há pouco tempo tentou fraudar as votações alterando os resultados no painel eletrônico) e do PSDB (cujo governo de Fernando Henrique Cardoso quase quebrou o país), associados a partidos da esquerda raivosa como o PSOL viram sua chance de vencerem as próximas eleições. O Congresso Nacional virou um antro de Franciscanos maculados pela presença de petistas corruptos.
Criam-se CPIs e CPMIs. A primeira delas com um nome esplendoroso: Comissão Parlamentar Mixta de Inquérito dos Correios. Seu propósito era investigar a ocorrência, ou não, de fraudes nos correios. Mas como ficar focado num sujeito que aceitava migalhas de propina acusando o PTB de ser o grande beneficiado se o povo ficara conhecendo a Marcos Valério? Impossível ficar passível a tamanho clamor popular. O homem era o trem pagador de todo o caixa 2 do PT, e é óbvio, o cara que pagava o “mensalão”. Por que perder tempo com uma picuinha dos correios se agora existia um vilão maior? Passaram a investigar a tudo e a todos.
Azar o deles, criaram a CPI do “Mensalão”. De uma hora para outra, congressistas passaram a serem vistos diariamente na TV falando para milhões de telespectadores. Alguém pode mensurar o que vale um discurso de 12 minutos interrompido apenas pela obrigação de se fazer uma pergunta para aquele criminoso? Sim todos aqueles intimados ou convidados a depor foram tratados devidamente como culpados de todas as acusações, ou não?
Que organização de Direitos Humanos permitiria que suspeitos fossem interrogados durante 14 horas seguidas? Que tribunal no mundo aceitaria qualquer coisa dita num interrogatório levado a cabo por mais de 30 interrogadores implacáveis durante tanto tempo seguido? Como se permite isso num país dito civilizado? Quem de nós aceitaria prestar um depoimento numa delegacia que fosse transmitido pela TV? Quem e nós aceitaria depor ao Ministério Público se nosso depoimento fosse tornado público no minuto seguinte ao seu término? Como é possível a mídia publique ou mostre na TV evidências entregues pela polícia que sequer foram comprovadas? Lembrem da Escola de Base…
Vivemos um momento singular. Todos os atos de governo sejam na esfera municipal, estadual ou federal, são controlados pelos respectivos Tribunais de Contas. Existe ainda a Controladoria Geral da União. Cabem a estes funcionários públicos, sim somos nós que os pagamos, aprovarem, ou rejeitarem as contas e fiscalizarem as compras. Eles têm a lei e a experiência para fazer este trabalho. Eles têm as condições de trabalho para comprovarem quando uma licitação é fraudulenta. Eles sabem quando existe malversação do dinheiro público. Pelo menos imaginávamos que sim. Se tudo o que diz a mídia for verdade, então estamos diante do maior descalabro da história republicana. Nunca tantos funcionários públicos foram tão incompetentes.
Existem verdades incontestáveis, são os fatos. Marcos Valério tomou dinheiro dos Bancos Rural e BMG. Ele distribuiu este dinheiro a dezenas de pessoas enviadas por Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Nenhum banco do mundo empresta dinheiro para alguém cujo avalista tem um patrimônio milhares de vezes menor do que o valor do empréstimo. Então se criam as versões. Delúbio precisava de dinheiro para saldar as campanhas. Ele pede para Marcos Valério fazer alguns pequenos empréstimos de cerca de 50 milhões de reais nos quais se coloca como avalista e pede a ele que distribua este dinheiro da forma como ele ordenar. Marcos Valério, uma pessoa de uma ingenuidade ímpar faz tudo o que seu amigo de alguns dias, Delúbio pede, por que ele é um cara legal, e afinal de contas ele pediu como amigo e disse a ele que devolveria. Mas este filme já não foi visto antes? Marcos Valério não foi o mesmo ator da campanha de Eduardo Azeredo do PSDB para o Governo de Minas? Então estamos diante do “Mensalão 2”, ou “Mensalão, o retorno”.
Nossos investigadores eleitos desculpem, nossos congressistas eleitos solicitam milhares de documentos aos bancos envolvidos e de quebra a todas as instituições que possam ter algum envolvimento também. Não sei quantas árvores foram derrubadas em vão para produzir todos aqueles volumes que lá permanecem para serem analisados por alguém. Como a TV não transmite este tipo de tarefa, com certeza vão arrumar alguém para fazê-lo, contratando talvez uma empresa de auditoria ou chamando outros funcionários públicos para tão enfadonha tarefa que pode, isso sim, demonstrar a existência dos crimes alegados de forma cabal.
Enquanto isso tudo vai passando diante de nossos olhos, nobres deputados declaram diariamente a existência incontestável do famigerado “mensalão”. Já não se pergunta mais que estava recebendo para que. Qualquer um que tenha tido a infeliz idéia de ter estado naquela agência do Banco Rural em Brasília recebendo, ou enviando um preposto para receber alguma quantia, é um canalha. Qualquer nome numa lista, qualquer CPF é prova disso.
Tudo isso não pode ter sido uma obra de dois trapalhões, Marcos Valério e Delúbio Soares. Até Roberto Jefferson sabe disso. O homem que teria sido o grande mentor, o grande estrategista não poderia ser ninguém menos do que José Dirceu. E tudo não ficaria muito melhor com o tempero de um ministro envolvido? Então se acrescente Antonio Palloci.
Analisei as falas de ambos e pude constatar que nenhum deles está envolvido com as acusações que lhes imputam. Antes de tudo não encontrei nenhuma confirmação da existência do “mensalão” de Roberto Jefferson. Todos os que negaram terem conhecimento da sua existência não estavam mentido.Dirceu não tem nada a ver com Marcos Valério e as suas aventuras com Delúbio Soares. Palloci não recebia 50 mil mensais da Leão Leão em Ribeirão Preto quando era prefeito.
O que afinal de contas está acontecendo? Infelizmente muito pouco. O PT foi apanhado fazendo aquilo que sempre criticou. Seu secretário geral aceitou um carro de presente, não qualquer um, uma Land Rover do presidente de uma empresa que presta serviços para a Petrobrás. Seu tesoureiro aceitou dinheiro de bancos, sabe-se lá em troca de que vantagens. Os membros da base aliada fizeram uma lambança com este dinheiro todo. Alguns provavelmente quitaram dívidas de campanha enquanto outros suas dívidas pessoais e alguns, ambas dívidas.
Quem deve ser punido? O presidente Lula por que deveria saber de tudo o que acontece? Alguém sabe de tudo o que acontece na sua própria casa? Eduardo Azeredo disse que não sabia dos empréstimos de Marcos Valério por que tinha outros afazeres como candidato a governador. Mas Lula tinha que saber. Ele não estudou, tinha que saber. Ele não nasceu em berço de ouro, tinha que saber. Ele perdeu um dedo trabalhando, tinha que saber. Enfim, ele não pode ser candidato novamente, ele tinha que saber.
Vivemos num país de ironias. Enquanto um doleiro é condenado a 25 anos de cadeia por enviar divisas para o exterior, um jornalista respeitável, Antonio Pimenta Neves, réu confesso do assassinato de sua companheira Sandra Gomide aguarda em liberdade a mais de cinco anos pelo seu julgamento. Este fato, que não é isolado demonstra bem o que é a nossa justiça.
Aqueles que deveriam criar as leis que não permitissem tamanhas aberrações estão por demais ocupados em criar versões para casos de polícia. O país se vê refém de uma briga de comadres que insistem em culpar sem provas a qualquer preço os envolvidos em sabe-se lá o que. Alguém vai ter de pagar por isso. Agora dizem que nada vai terminar em Pizza, como se houvesse uma obrigação de se encontrar culpados de algo que não conseguem comprovar sequer ter acontecido. Enquanto eles procuram em quem jogar a culpa, nós seguimos sustentando com o nosso trabalho a tudo isso. Sim por que todo este tempo perdido em frente às câmaras de TV é pago com o nosso dinheiro. Todo este tempo trocado pela análise de temas relevantes, como a reforma política que poderia ajudar a prevenir falcatruas eleitorais, está sendo desperdiçado.
Sabem o que isso significa? Que para poderem realizar o verdadeiro trabalho para o qual nós os elegemos, vão precisar abrir mão de algum período de férias e receber salários dobrados para apreciar tais matérias. Pense bem quando votar nas próximas eleições.
Seguramente não sou o dono da verdade. Aprendi, no entanto que num sistema judicial justo, mais vale cinco culpados soltos que culpar um único inocente. Todos nós precisamos aprender que a justiça precisa ser igual para todos e exigir a extinção de fóruns especiais. Quem comete qualquer tipo de crime deve ser investigado pela polícia. Se for julgado e culpado, deve então receber condenação pertinente. Nunca faça julgamentos precipitados com base em versões e suposições. Não se deixe levar pelos apelos da mídia. Lembre-se ela precisa vender para sobreviver.