É extremamente interessante de que forma um uniforme muda o comportamento de um ser humano. Talvez a mudança seja algo natural que estava escondida sob a roupa de um civil. Talvez seja a influência que o uniforme cause na psique de alguns seres humanos, mas o fato é que esta mudança traz consigo conseqüências trágicas.

Recentemente três fatos me chamaram a atenção. O primeiro aqui mesmo no Brasil. Um policial militar bêbado acabou colidindo seu automóvel em uma árvore próximo do local de trabalho de um promotor público. Assustado com a colisão que acabara de escutar, ele se dirigiu ao local e ao constatar o estado de embriagues do motorista determinou aos policiais que faziam a ocorrência, que o mesmo fosse levado para realizar exame de teor alcoólico. O policial bêbado sacou de sua arma e desferiu 4 tiros no promotor matando-o.
Neste caso, o policial em questão havia sido rejeitado para o trabalho ao não passar num exame psicotécnico. Ele então entrou com uma liminar na justiça de posse de outro exame realizado com uma profissional de psicologia atestando estar capacitado para exercer a função de policial militar. A justiça determinou sua inclusão nos quadros da policia.

O segundo caso, que está em toda a mídia internacional, é o das torturas no Iraque. Os envolvidos são todos cidadãos convocados para o serviço militar na função de ensinarem aos iraquianos como dirigir um sistema prisional numa democracia (sic). As cenas que correm o mundo em fotos e vídeos não deixam dúvidas sobre as atrocidades cometidas contra prisioneiros indefesos. Novamente chama a atenção que a maioria dos envolvidos tinham envolvimentos em casos de agressões e maus tratos.

O terceiro caso foi o disparo por parte de um piloto de helicóptero israelense sob uma multidão de palestinos que faziam uma manifestação contra a demolição de casas em Gaza. Mesmo sabendo que a ordem que lhe foi dada poderia ter sido contestada e desobedecida, ele disparou contra as pessoas matando 8 delas.

Em todos os casos o que existe em comum é um uniforme e a covardia dos perpetuadores das atrocidades. Por alguma razão eles fazem parte de um grupo de seres humanos que assume uma nova identidade ao vestir uma roupa que dá a eles um certo poder para decidir entre a vida e a morte. Um estranho poder que permite torturar um semelhante dominado e indefeso, ou até mesmo atirar contra pessoas que não podem se defender.

Sempre que falei dos terroristas palestinos que se explodem junto a pessoas indefesas, os chamei de covardes, justamente por não darem as suas vitimas nenhuma forma de se defenderem. Nos três casos acima a covardia foi à mesma. Todos se aproveitaram de alguma forma da incapacidade ou impossibilidade de suas vítimas poderem esboçar alguma reação.

O policial assassino está preso aguardando julgamento. Os torturadores americanos já começaram a serem julgados. O piloto israelense continua na ativa. Como é possível justificar ao mundo que tamanha crueldade não mereça uma punição, quando a motivação para a destruição de casas em Gaza é de que elas escondem túneis que trazem armas do Egito para matarem civis israelenses. Como a ANP não pune os terroristas, Israel precisa fazer o possível para limitar sua ação.

Pode-se compreender (mas não justificar) a lógica militar doentia dos assassinatos seletivos, mas nem a mente mais aberta pode aceitar que o disparo de um míssil sobre manifestantes fique sem punição. Quando isto acontece, a mensagem é de que para combater a covardia terrorista é preciso se transformar num covarde também.

O exército israelense é formado de cidadãos. Este piloto pode ser o dono de um mercadinho de esquina, um professor, um médico, engenheiro, advogado ou quem sabe um pacífico agricultor. Qualquer um de nós poderá cruzar com ele na rua. Ninguém poderá imaginar que estivemos diante de um monstro, por que na rua ele estará despido de seu uniforme. No entanto ele jamais poderá esquecer o que fez, nem mesmo apagar da memória a dor que causou nas famílias que perderam seus filhos.

Por fim cabe a pergunta, o que tinham a ganhar os envolvidos nos três episódios? Nada, absolutamente nada. O policial tirou a vida de um promotor de justiça que fará com seja julgado por assassinato, já tendo sido expulso da corporação onde servia. Os torturadores americanos já começaram a serem julgados e condenados a prisão com a expulsão do exército com desonra. O único impune é o piloto israelense que sabe que logo Israel estará se retirando de Gaza deixando para trás os túmulos de palestinos e israelenses que lá morreram em vão.