Participo voluntariamente como colaborador de um grupo de mulheres norueguesas que tenta organizar uma marcha internacional pelos direitos humanos em Israel e nos territórios ocupados. Um companheiro que vive em Gaza, e que também colabora para a realização da marcha, enviou um e-mail, que reproduzo traduzido abaixo:

Caros Amigos,

Espero que minha carta encontre bem a todos.

Gostaria de colocá-los a par do que está acontecendo na Palestina nestes dias, enquanto todos os olhos estão voltados para a situação de Guerra contra o Iraque. Dois dias atrás, no meio da noite, tropas israelenses entraram e atacaram a área onde vivo, chamada El Twam, cerca do Campo de Refugiados Jabalia. Cerca de 30 tanques entraram no bairro. Muitos tiros vinham dos tanques e helicópteros. Seu objetivo era a casa de um ativista. Esta casa fica exatamente ao lado da minha (apenas a 20 metros). Depois que as tropas entraram, eles começaram a pedir para os residentes daquela casa e das casas vizinhas, para deixarem as moradias e se encaminharem para o prédio da escola. A casa do ativista é um prédio de cinco andares. Um dos tanques estava parado em frente a minha porta da frente. Então eu decidi juntamente com minha esposa e nossos quatro filhos a não deixar minha casa. Eram aproximadamente 12:30 h da noite, e era extremamente perigoso. Depois de forçarem os vizinhos a deixarem suas casas sem poder carregar nada consigo, eles começaram a plantar as bombas. Eu percebi que eles logo iriam destruir a casa e então movi minhas crianças para o local mais seguro de minha residência e os cobri com mantas. Elas acordaram e começaram a chora por causa do barulho dos tanques. Eu tentei o melhor que pude acalmá-las mas era muito difícil uma vez que eu próprio estava com muito medo. Mais os menos as 2:30h, a casa do ativista explodiu. Foi a maior explosão que já escutei. Nossas janelas quebraram, os vidros quebrados se espalharam por tudo, a poeira encheu nossa casa, a eletricidade foi cortada e eu mal podia ver alguma coisa. Minhas crianças começaram a berrar e a gritar. Eu engatinhei sobre os cacos de vidros para chegar até elas e comecei a beijá-las e abraçá-las. Depois de acalmá-las eu ascendi uma lamparina a gás e olhei pela janela. Todo o prédio de cinco andares havia sido destruído. Os tanques ainda estavam pela volta e atiravam ao acaso. Voltei para minhas crianças e comecei a explicar a elas o que havia acontecido e contei a elas outras histórias e piadas. As 4:30 h da manhã as tropas deixaram a área. Eu andei ao redor de minha casa e vi que muita coisa havia sido danificada: 18 janelas de vidro, 5 portas de madeira, paredes, móveis, o monitor de meu computador, nosso tanque de água, a maioria das lâmpadas e o pára-brisa de nosso carro. O custo para reparar estes estragos vai ser provavelmente de 2.500 dólares. Esta era a destruição visível, mas o que mais me preocupa são os danos psicológicos que isto causou. Meu filho Sabree se recusa agora a dormir sozinho, e quer ficar conosco. Nossas duas filhas, Dalia e Dena, não gostam de dormir mais em seu quarto por que foi a parte mais atingida da casa. Elas preferem dormir no meio da casa. Nossa filha pequena molha a cama. Tenho esperança que isto não vai continuar por muito tempo. Isto é o que aconteceu na minha casa depois de um ataque e das explosões. Pensem nas outras casas daquela explosão com danos mais severos, e pensem nas outras muitas pessoas que tiveram perdas por causa dos ataques. Imaginem que tipo de valores e crenças minhas crianças e as outras crianças vão desenvolver. Será que isto vai ajudar no desenvolvimento de uma paz sustentável?

Eu gostaria de dizer que o conflito em nossa região não será resolvido com estas ações. Nossa região precisa de líderes compreensivos, que acreditam nos direitos humanos e usem a negociação para chegar a soluções que digam respeito ao futuro e não apenas ao tempo de sua liderança. Desculpem, por contar todas estas coisas neste e-mail.

Felicidades,
Seu,
Safwat Diab

A seguir, minha resposta.

Querido Safwat

Ao ler emocionado o relato de seu e-mail, em certos momentos me recordei da destruição do Gueto de Varsóvia.. Sem pretender fazer aqui comparações políticas, mas refletir sobre a dor humana diante da destruição, lembrei-me do horror que meu povo sentiu ao ver os tanques alemães tomando as ruas, ordenando as pessoas que saíssem de suas casas, para em seguida serem bombardeadas.

Não tenho palavras para expressar o quanto sinto por sua família e principalmente por seus filhos. Este é um trauma que terão de carregar para sempre.

Entretanto preciso lhe dizer uma coisa, como militante pacifista e pelos direitos humanos. Algo que não justifica ou vá servir para minimizar a sua dor. Mas é uma coisa que tem de ser compartilhada por todos aqueles que estão passando pela mesma situação.

Ao informarem que estariam explodindo aquele prédio, o exército de ocupação israelense ao menos deu a sua família e todos os desafortunados vizinhos daquele ativista, a oportunidade de abandonarem suas casas e preservarem suas vidas. Oportunidade que infelizmente, a organização daquele ativista, senão ele próprio não dá, quando enviam seus homens bombas para se explodirem em meio à população civil de Israel.

Acredite-me companheiro que sua dor não é maior nem menor do que a dor das famílias israelenses atingidas por esta barbárie. Ela é a mesma. Os traumas dos sobreviventes são os mesmos. A insanidade dos dois lados é a mesma.

Esta é a lógica da violência. Ela não escolhe hora e nem lugar para cobrar as vidas das pessoas inocentes. Uma lógica perversa que deixa seqüelas entre os sobreviventes. Pesadelos que vão perseguí-las por muito tempo.

Até ontem já foram cerca de 2600 vítimas dos dois lados. Um número que não para de crescer. Uma vergonha para nossos povos.

Por isso, levante a cabeça e permaneça firme em seus ideais que são os nossos também. Dois povos vivendo em paz lado a lado em suas respectivas nações. Continuemos a exigir de nossos líderes uma paz duradoura e sustentável mediante negociações que levem a reconciliação.

Não queremos mais batalhas de guerra, estamos todos cansados delas.
Queremos paz, e queremos agora.